Folha de S. Paulo


Brasil precisa acabar com seu sistema de castas

Gustavo Roth - 3.jun.2004/Folhapress
ORG XMIT: 191001_0.tif Fila em posto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) na zona leste de São Paulo (SP); informações desencontradas fizeram segurados ir até os postos para esperar por atendimentos que só seriam feitos em 4 de junho, após as 8h. Os grevistas do INSS decidiram acabar com a greve e as agências devem voltar ao funcionamento normal. (São Paulo, SP, 03.06.2004. Foto: Gustavo Roth / Folhapress. Negativo 200406743)
Fila em posto do INSS na zona leste de São Paulo

Em "Brasil: Uma Biografia", Lilia Schwarcz e Heloisa Starling resgatam como, recém-chegados ao Rio em 1808, membros da corte de d. João tomavam para si os melhores edifícios da cidade escrevendo com giz nas fachadas as letras "PR" (príncipe real) e, assim, desalojavam sumariamente os proprietários.

Enquanto a corte inchava à custa de novos impostos, a elite local era compensada com títulos e muitos cargos.

Na época de d. Pedro 2°, os "bacharéis" é que buscavam cargos públicos, "de preferência de fachada, que não requeressem empenho pessoal".
Com o tempo, o Estado brasileiro se converteu em regime republicano e democrático e se aperfeiçoou a ponto de limitar-se a ser quase uma só e imensa "folha de pagamentos", destinada especialmente a favorecer novas elites.

Atualmente, quase 70% das despesas do Tesouro são salários, aposentadorias e assistência social, valores que crescem sempre acima do PIB, estrangulando gastos em áreas-fim como saúde e educação.

Na base desses gastos e do deficit da Previdência estão as despesas da máquina pública, protegida em sua estabilidade e blindada contra ciclos econômicos de baixa que afetam o resto da sociedade.

Enquanto as aposentadorias no setor privado estão limitadas a R$ 5.531, as do Judiciário e Legislativo vão de R$ 18 mil a R$ 28,5 mil. Assim, o deficit com aposentadorias de 1 milhão de servidores públicos supera o de 33 milhões de aposentados privados.

Já entre os servidores da ativa no Executivo, quase um quarto ganha mais de R$ 13 mil, e 70%, acima de R$ 5.000. Na média do funcionalismo, os vencimentos são cerca de 60% maiores do que os pagos para a média dos trabalhadores no país, de R$ 2.100.

Historicamente, crises que deveriam ter sido pretexto para reformar essas distorções terminaram resolvidas com mais impostos ou pela chegada de outro ciclo de crescimento, como o que se ensaia agora, aprofundando o problema.

Em "Por que as Nações Fracassam", Daron Acemoglu e James Robinson identificam o insucesso de vários países com o que chamam de "elites extrativistas": castas preocupadas em existir com o objetivo maior de continuar existindo.

Foi assim no Brasil do passado, com repasses de tributos e tarifas comerciais a membros da casta de então, e tem tudo para continuar sendo.
Mas isso não é destino. Trata-se de corporativismo, com estabilidade no emprego e falta de metas.

Parte do problema vem finalmente sendo atacada com o projeto de lei do Senado 116/2017, que, por meio de sistema de avaliação por pontos, faculta demissões nas esferas federal, estadual e municipal por insuficiência na função.

O projeto sofre fortes pressões contrárias, e a sociedade deveria acordar para isso.


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