Folha de S. Paulo


Congresso sente o cheiro das quentinhas de Curitiba

Eraldo Peres - 7.dez.2016/Associated Press
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), denunciado na Lava Jato
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), denunciado na Lava Jato

Um dos maiores problemas do Brasil é que nunca corruptos poderosos tiveram medo de cadeia.

A reação cangaceira no Senado de Renan Calheiros (codinome "Justiça" na planilha de corrupção da Odebrecht) e na Câmara de Rodrigo Maia (o "Botafogo") contra a Lava Jato são tentativas desesperadas de voltar a esse passado.

A Lava Jato é hoje o único elemento integrador do país depois das mentiras e da recessão de Dilma Rousseff, da posse de um Temer suspeito e de seu gabinete podre e das demonstrações de corporativismo retrógrado do Congresso, com um batalhão de clientes do departamento de "operações estruturadas" da Odebrecht.

A ordem do ministro do Supremo Luiz Fux para que a Câmara volte à estaca zero na análise do pacote de dez medidas contra a corrupção desfigurado pelos parlamentares pode parecer intromissão na "independência" de um Legislativo dependente de uma empreiteira.

Mas ela vai ao encontro do anseio das 2 milhões de assinaturas que apoiam as medidas. Assim como de outros milhões que protestaram nas ruas pela punição de corruptos e corruptores nos últimos meses.

Hoje temos, entre outros, Sérgio Cabral, José Dirceu, Antonio Palocci, Eduardo Cunha e Marcelo Odebrecht presos. As provas contra eles até aqui se mostraram irrefutáveis.

Renan "Justiça" ainda não foi condenado a nada. Mas age como se estivesse sentindo o cheiro das quentinhas ao querer intimidar os procuradores com tentativas de puni-los por abuso de poder.

O projeto seria legítimo não fosse patrocinado pelo próprio Renan e agora. Quem não deve não deveria temer, certo?

Denunciado na Lava Jato e alvo de outros 11 inquéritos diversos, o presidente do Senado tenta suas últimas cartadas para se proteger e angariar o apoio da turma de citados na operação.

Nas próximas semanas assistiremos ao "espetáculo do desespero". Quando mais e mais delações mostrarem como uma empreiteira mandava no país financiando campanhas e a vida desses citados.

Com sua dinâmica própria, apoio popular e dezenas de delatores já pegos no anzol, a Lava Jato mostra ser cada vez menos provável que protelações e esperneio geral livrem seus investigados. Assim como não livrou, no final, o chefe da gangue, Marcelo Odebrecht.

Dizem que gênio solto jamais retorna à lâmpada. A Lava Jato está no caminho de confirmar essa regra.

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A coluna sai do ar nos próximos meses por conta de uma temporada de estudos fora do país.


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