Folha de S. Paulo


Depois do "relaxa e goza"

Numa festa de casamento recente, no brinde o pai da noiva lembrou que esse tipo de união não é feito só de alegrias e que seria preciso dividir tarefas para que as coisas funcionem. Que a um dos noivos caberia, por exemplo, ir ao supermercado, organizar a casa, cuidar da roupa, das finanças e dos eventuais filhos. Ao outro, ligar para a NET.

A história é verídica.

Depois de 13 anos de PT, o governo interino de Michel Temer parece disposto a melhorar o ambiente de negócios no Brasil com mais competição entre empresas e a privatização ou concessão de serviços públicos.

A sanção na quarta (22) da Lei de Responsabilidade das Estatais, que proíbe a nomeação de pessoas com atuação partidária e de políticos para cargos nessas empresas (incluindo Estados e municípios) vai na mesma linha.

Ao que consta, a União também vai exigir a partir de agora a privatização de empresas estaduais como contrapartida para ajudar a equacionar as finanças dos governadores falidos.

Temer também apoiou o projeto que eleva de 49% para 100% a participação de empresas estrangeiras no setor aéreo. No caso desta medida, sem maiores esclarecimentos.

Depois da onda de privatizações nos anos 1990 sob FHC (que hoje permite à NET vender serviço banda larga e telefone), quase nada foi feito nesse sentido. Pior, os governos Lula e Dilma esvaziaram e politizaram as agências reguladoras criadas para monitorar as privatizadas, deixando consumidores cada vez mais desamparados.

O "relaxa e goza" sugerido a passageiros pela então petista e ministra do Turismo Marta Suplicy em 2007 diante do caos aéreo é icônico. A desordem de então foi relacionada aos erros da Anac (a agência reguladora) de ter resistido à reestruturação da malha aérea, numa decisão que beneficiou as empresas e prejudicou os usuários de avião.

Nos últimos anos também foram alteradas leis que permitiram às empresas uma concentração de poder cada vez maior, em prejuízo do consumidor e, agora, do contribuinte. O exemplo da hora é o pedido de recuperação judicial da operadora de telefonia Oi, com dívidas de R$ 65,4 bilhões, sendo R$ 9,8 bilhões com bancos públicos.

Na segunda (20), Moreira Franco, chefe do novo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo Temer defendeu que as agências reguladoras (como Anac e Anatel, na telefonia) não exerçam mais o "papel de Procon" na defesa dos consumidores. E que fiquem concentradas no cumprimento dos contatos assinados com as concessionárias dos serviços públicos.

Segundo o Tribunal de Contas da União, as empesas cujos serviços são fiscalizados pelas agências reguladoras são hoje preponderantes na lista de mais de 100 milhões de processos judiciais que se acumulam no Judiciário.

Eles refletem ações de consumidores mal tratados e revoltados que, na falta de mecanismos mais simples e efetivos, se veem obrigados a entrar com ações na Justiça para fazer valer seus direitos. Que em muitos casos levam anos para serem reconhecidos.

Tendo em vista o perfil da nova equipe econômica de Temer e a necessidade de investimentos no país, é quase certo que vem por aí uma nova e forte onda para atender às demandas das empresas privadas, donas do capital de que tanto o governo precisa.

Mas com seu capitalismo capenga e incipiente, onde a falta de competição é a regra, essa nova e bem vinda onda pode vir acompanhada também do risco de não trazer junto mecanismos que tratem da defesa dos consumidores.

Ninguém do governo interino disse até agora quem fará o tal "papel de Procon". Ao contrário, a única indicação é de quem poderá deixar de fazê-lo.

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Nesta semana, no trajeto São Paulo-Araraquara-São José do Rio Preto-São Paulo, as concessionárias de estradas do Estado cobraram ao todo R$ 150,60 em pedágios de uma viagem de carro. Somando R$ 243,87 gastos em combustível, a viagem saiu por R$ 394,47 para duas pessoas.

Se fossem de ônibus, os trechos sairiam por R$ 461,70 para os dois passageiros, sem a mobilidade oferecida pelo veículo próprio.

Ainda sim parece caro. Mas pior do que ter uma estrada cara é não ter a estrada.


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