Folha de S. Paulo


O que quer a esquerda?

A esquerda produziu três grandes eventos na semana passada em São Paulo: no teatro Tuca/PUC (dia 16), na Faculdade de Direito da USP (17) e a manifestação da avenida Paulista (18).

Além dos massacres à "mídia golpista" e ao juiz Sergio Moro, predominaram o silêncio sobre o petrolão e o esforço em justificar a crise econômica no governo Dilma.

Quem é liberal na economia e conservador sobre limites nos gastos públicos sente desespero com o fim do ambiente de crescimento, controle fiscal e distribuição de renda que vigorou no Brasil até o governo Dilma.

Muita gente atribui esse passado positivo sob Lula ao "boom" do ciclo de commodities até a crise internacional de 2008/2009. Mas não foi só isso.

O Brasil empinou e tinha tendência de alta mesmo depois do período mais agudo da crise global. Em 2010, o país cresceu 7,5%.

Foi a chamada nova matriz econômica, com políticas de esquerda e de intervenção do Estado adotadas por Dilma, quem nos arruinou.

Com a esquerda agora defendendo o governo, vêm junto opiniões sobre como ela enxerga nossos problemas econômicos de fundo.

São ideias inconsistentes em relação à experiência pregressa e informações erradas dirigidas a gente jovem e crédula, como aos estudantes que estavam nos eventos da PUC e da USP.

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Nos dois fóruns, o jurista Fábio Konder Comparato insistiu longamente que a situação do Brasil é consequência de uma grave retração internacional e da crise do capitalismo. E que os brasileiros estão desiludidos com a política porque nossa desigualdade aumentou, o que é falso.

Também usaram a crise internacional para justificar a atual crise a psicanalista Maria Rita Kehl e Gilberto Maringoni, um dos líderes do PSOL paulista.

Em todas as recentes manifestações, CUT, MTST e MST cobraram uma "guinada à esquerda" na política econômica de Dilma para "reativar" a economia.

Nessa visão, Dilma seria uma espécie de sadomasoquista que virou sua política econômica 180 graus na direção de um ajuste fiscal para arruinar o país. E não para evitar um desastre maior.

No ano passado, enquanto o Brasil encolheu chocantes -3,8%, o mundo cresceu 3,1%, os emergentes 4% e o México 2,5%. Não vêm daí nossos problemas, nem do aumento na desigualdade de renda.

Em termos de sua distribuição, os 13 anos do PT no poder patrocinaram uma melhora recorde nesse indicador. Ela só aconteceu porque houve um ambiente de negócios (até o governo Dilma) que favoreceu o mercado.

Foi o trabalho, na média desses 13 anos, quem contribuiu com quase 80% na queda na desigualdade. A proliferação de programas sociais pesou mais apenas entre os mais pobres, e só foi possível porque o Estado arrecadou mais para poder pagá-los.

Como dinheiro não nasce em árvore, foi o lucro das empresas e a atividade capitalista que produziram os impostos para sustentar programas como ProUni, Pronatec e Bolsa Família.

Eles estão hoje ameaçados justamente porque nova matriz de Dilma desorganizou a economia, retraindo a confiança empresarial e os investimentos. No ano passado, a receita em impostos (que paga os programas) caiu 7%. A queda pode chegar a 10% neste 2016.

A confusão e falta de propostas da esquerda não são uma jabuticaba brasileira. Na Europa, vários governos tentaram sem sucesso programas heterodoxos no pós crise global para recalibrar os excessos da economia de mercado.

Barack Obama também prometeu uma nova regulamentação dos bancos que não foi para frente. Seu partido tem agora como favorita para sucedê-lo Hillary Clinton, sempre sustentada por Wall Street em suas campanhas.

No caso brasileiro, o país parece ter perdido uma grande chance nos governos do PT.

Entre outros motivos, por ter tido a pretensão de inventar uma nova matriz econômica quando a vigente funcionava, com crescimento moderado e distribuição de renda.

E, especialmente, por não se ter utilizado mecanismos institucionais, como as agências reguladoras (criadas no período pós privatização dos anos 2000), para controlar os excessos do capitalismo criticados pela esquerda.

Se fossem realmente para valer e não estivessem aparelhadas politicamente, entidades como a (ANP) Agência Nacional de Petroleiro e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) poderiam ter evitado as distorções no sistema elétrico e nos preços dos combustíveis que contribuíram para a crise atual.

A saída para o dilema da esquerda em relação à economia talvez esteja mais em usar e melhorar o que já existe do que em querer reinventar algo que já deu provas de não dar certo.

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Neste link, dados sobre a economia e a distribuição de renda ao longo dos 13 anos do PT.


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