Folha de S. Paulo


O Brasil espremido

A ficha vem caindo com o tamanho e peso de uma tampa de boca de lobo. O que se vê dentro do buraco é um problema mais profundo do que o aumento do desemprego e a persistência da inflação.

A economia está espremida entre dois grandes problemas, de complexa solução. De um lado, segue com despesas fixas crescentes não "cortáveis". De outro, com uma trajetória ruim para o crescimento da dívida pública.

O que se chama abstratamente de "ajuste fiscal" é uma tentativa de cortar despesas rapidamente para interromper o crescimento da dívida pública como proporção do PIB.

Se isso não for feito, o país se avizinha da insolvência, pode perder o chamado grau de investimento (encarecendo mais o financiamento de sua dívida) e dizimar o que resta da confiança empresarial.

Editoria de Arte/Folhapress

O quadro acima mostra como é difícil cortar despesas no Brasil para abater a dívida pública. Quase 74% dos gastos não financeiros (em laranja) são "imexíveis". São benefícios sociais, aposentadorias e a folha de pagamento do governo.

O pequeno trecho em vermelho é o Bolsa Família, menor fatia entre as despesas e que dificilmente será cortado. Esses gastos crescem sistematicamente há anos, engessando a possibilidade de cortes.

Resta ao governo cortar na área verde (saúde, investimentos em infraestrutura e despesas como água, luz, etc., dos ministérios). São áreas que já estão "no osso", com pouca margem para redução.

Do outro lado, o Brasil está espremido pela trajetória de sua dívida pública. Nos últimos dez anos, a dívida bruta federal cresceu quase dez pontos. E deve atingir 64,4% do PIB neste ano (abaixo).

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O tamanho da dívida é calculado como proporção do PIB para indicar se um país tem capacidade de pagá-la. O caso extremo da Grécia quebrada: sua dívida equivale a 180% do PIB. O Brasil não está tão mal quanto a Grécia. Mas não tem euros e o resto da Europa na retaguarda para salvá-lo.

Mas o problema da dívida brasileira é outro.

O país está corrigindo sua dívida pública a uma taxa de 13,75% ao ano (ela é alta para tentar conter a inflação). Descontando a inflação prevista de 9% neste ano, a dívida sobe (grosso modo) a um ritmo quase 5% acima da inflação. E o PIB pode cair 2%.

Como a dívida bruta (crescente, por conta dos juros altos) é calculada como proporção do PIB (cadente, por conta da recessão), sua trajetória de crescimento está muito rápida.

Outra maneira de se olhar para o problema é considerar a trajetória da dívida líquida. Nela, são descontados da dívida bruta tudo o que o Tesouro tem a receber, como repasses ao BNDES.

O problema é que esses créditos que o Tesouro tem são corrigidos por juros menores do que os que incidem sobre a dívida. Ou seja, a dívida do governo sobe em um ritmo mais veloz do que o valor dos créditos que tem a receber.

Despesas difíceis de cortar, por um lado, e dívida aumentando em ritmo acelerado, de outro. Por isso, toda essa conversa sobre a prioridade do ajuste fiscal.

Neste momento, o governo já está convencido de que a meta deste ano de um ajuste fiscal equivalente a 1,1% do PIB (R$ 66 bilhões) está ficando cada vez mais distante. Esse dinheiro seria usado para abater a dívida pública e segurar sua trajetória.

A recessão e a queda na arrecadação de impostos, além da dificuldade de aprovar cortes no Congresso, devem produzir um ajuste bem menor.

O cenário ruim só pode melhorar se a inflação ceder, o Banco Central reduzir o juro que corrige a dívida e o PIB crescer.

O assunto deve ganhar grande relevância daqui em diante.

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Para quem não viu, reportagem em que acompanhei durante dez anos a evolução de famílias beneficiárias do Bolsa Família em Pernambuco. Não deixe de assistir o vídeo (18 min.).

Confira a reportagem.


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