Folha de S. Paulo


Risco para a reforma política vem dos que exigem perfeição

Pedro Ladeira - 22.ago.2017/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 22-08-2017, 22h00: O presidente da câmara dos deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante sessão em que se tentava votar a reforma política. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, durante votação da reforma política em agosto

Leio a entrevista de um deputado favorável à reforma, mas que votará contra. Ele diz que antes de mexer com os trabalhadores, o governo deveria "acabar com as aposentadorias milionárias".

Não fica exatamente claro quanto representam as aposentadorias milionárias ou como se poderia acabar com elas. Sua posição é confortável: ao mesmo tempo a favor e contra a reforma. A favor da reforma realmente perfeita, mas inexistente; contra esta que está aí, imperfeita, mas real.

Escuto ainda outro, em um vídeo, garantindo que é 100% a favor da reforma, mas que o governo deveria ter feito antes um "amplo debate" com a sociedade, e que não se deveria cortar direitos conquistados pelos trabalhadores. Entre esses, explica, estão as "atuais regras para quem está trabalhando e tem a expectativa de se aposentar logo".

Fico pensando como se faria uma reforma que não mexa com "expectativas de direitos". Leio ainda outro parlamentar que declara solenemente apoio à reforma, mas exige que antes se faça uma auditoria para saber "se há ou não deficit no sistema".

Assisto a um discurso na Câmara, em que um parlamentar, um tanto enfático, pede ao governo que "não brinque com a gente". Pede seriedade e explica ser "radicalmente favorável" à reforma, mas não a esta "meia sola" que está aí. Pede que se refaçam os cálculos, que se separe Previdência de assistência social e se faça de uma vez o que deve ser feito: um sistema de capitalização. Que se migre para uma Previdência com base na contribuição individual. Posição inegavelmente inteligente, mas com um problema: nunca esteve em pauta, nem há sinais de que esteja em um horizonte visível.

Por fim, leio a entrevista de um congressista, também favorável à reforma, mas que votará contra porque "a população não está convencida". Diz que "o governo não conseguiu convencer a população" e que, por isso, votará contra.

Fiquei pensando na ideia de que a reforma é "do governo" e em como o governo deveria convencer a opinião pública. Quem sabe torrar alguns milhões do contribuinte com propaganda, como se a publicidade fosse uma forma inteligente de conduzir um debate na democracia.

Observando esses argumentos, me deu um certo desânimo. Boas democracias são feitas de líderes que sabem equilibrar as próprias convicções com a necessidade de construir consensos. Cada um carrega na cabeça seu mundo perfeito, mas a política é necessariamente feita de sucessivas decisões imperfeitas.

Foi assim que o país avançou, nestes tempos difíceis, quando aprovou uma reforma trabalhista imperfeita, uma PEC de controle do gasto público imperfeita, uma reforma política imperfeita e uma correção no regime de partilha do pré-sal para lá de imperfeita.

A política também é a arte de tomar decisões difíceis, nas quais diferentes grupos sociais abrem mão de vantagens, no curto prazo, na expectativa de que todos possam ganhar mais adiante.

Há custos neste processo, há "direitos" dos quais se devem abrir mão. Uma lição muito simples que Estados como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul não levaram a sério, em sua história recente, e hoje pagam a conta.

O ponto é que isso tudo exige um tipo de virtude que Max Weber definia como "ética da responsabilidade". O ajuste possível entre a paixão que move cada um e as consequências, necessariamente coletivas, da ação política.

No fundo, é isso que está em jogo no debate da reforma da Previdência: saber se o país é capaz de produzir um acordo limitado, mas viável, entre muitas ideias "perfeitas" sobre o tema. Produzir algum consenso, nestes tempos incertos. Recusar a lógica de uma reforma derrotada por todos que se manifestam, tão veementemente, a seu favor.


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