Folha de S. Paulo


Louvação

Pedro Piccinni

Apesar de não ter muita paciência pra futebol, posso até achar divertida, antes do derramamento de sangue, a rivalidade entre flamenguistas e tricolores, gremistas e colorados, corintianos e palmeirenses. (Se interessa saber, sou, ou fui, palmeirense, mas não me perguntem nenhuma escalação do Palmeiras posterior à de 1993 —ano de glória—, que sei de cor e às vezes digo em voz alta, nos momentos ruins.)

Porém nunca me conformei com a rixa entre paulistas e cariocas, entre brasileiros e argentinos —já não estou falando do mundo do esporte. Gosto do Rio e adoro Buenos Aires, sempre fui muito bem tratado nos dois lugares, e a verdade é que nem sei como continuar essa conversa.

Melhor parar por aqui.

Que hoje eu só quero mesmo é fazer a louvação dos escritores e poetas cariocas que invadiram São Paulo nos últimos anos, como doces bárbaros, e dos quais, pra minha sorte, acabei me tornando amigo.

São eles: João Paulo Cuenca, romancista e cronista, autor de "O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente" e "Descobri que Estava Morto" (vou citar dois livros de cada); Bruna Beber, poeta, autora de "Balés" e "Rua da Padaria"; Leonardo Gandolfi, poeta, autor de "A Morte de Tony Bennett" e "Escala Richter"; Marília Garcia, poeta, autora de "Engano Geográfico" e "Um Teste de Resistores"; Paloma Vidal, romancista, contista e poeta, autora de "Mais ao Sul" e "Algum Lugar"; Pedro Rego, poeta, autor de "Nuga" e "Coisa Esquisita e Outros Poemas"; e a recém-chegada Alice Sant'Anna, poeta, autora de "Rabo de Baleia" e "Pé do Ouvido".

Não importam as razões que levaram essa gente a abandonar o cartão-postal com mar, Dois Irmãos e Adega Pérola —permitam-me, nestes tempos estranhos, uma ligeira idealização bossa-novista— pra vir morar na metrópole mais cinzenta e poluída do Brasil. (Será que eles já caminharam pela Teodoro Sampaio às seis da tarde, de mochila nas costas, estômago roncando e desodorante vencido?)

O fato é que, graças a essa nova leva de imigrantes, as livrarias (em dias de lançamento), os apartamentos (em dias de festa) e os bares (em noites que não deveriam terminar jamais) da Verdadeira Cidade Maravilhosa —como outro amigo e poeta carioca, o Eucanaã Ferraz, carinhosamente apelidou São Paulo— ficaram muito mais interessantes.

E é uma delícia ouvir o áspero e doce sotaque carioca numa esquina qualquer da rua Augusta, tomando cerveja e comendo amendoim e observando as calçadas se encherem e se esvaziarem.

Aos 20 anos quis ser carioca, não deu certo. Aos 30 tentei ser paulistano, isto é, de lugar nenhum, e também falhei. Mas agora que os 40 se aproximam volto a ter esperanças, como aquele adolescente francês que todos nós amamos, "de encontrar o lugar e a fórmula". E em boa parte devo isso aos cariocas de São Paulo.


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