Folha de S. Paulo


Paulista

Não é fácil amar São Paulo, mas não há nada mais fácil do que gostar da Paulista - foi o que pensei outro dia, enquanto caminhava em frente ao Masp, em direção à livraria do Conjunto Nacional. Era como se eu estivesse dentro de um desses romances franceses do século 19 sobre o surgimento da metrópole moderna: tarde de outono, multidão ruidosa!

Olhei pra cima e entendi: a avenida Paulista é um longo túnel destampado; uma larga faixa plana ladeada por prédios espelhados sob um céu com nuvens que de noite é roxo, rosa, laranja - que nunca escurece de verdade - com torres de TV iluminadas.

Guazzelli
Coluna Fabrício Corsaletti

Há no seu ar uma estranha sensação de liberdade, e é sempre um prazer (ia dizer "um alívio") pisar nas amplas calçadas sem buracos vindo de qualquer um dos bairros tortos e tristes da cidade. Na Paulista o paulistano se sente um pouco estrangeiro e o estrangeiro se sente um pouco em casa. Por não ser de ninguém, a Paulista é de todos.

Do hippie sentado aos pés do banco Safra; do executivo de terno e da executiva de tailleur; do chapeiro que leva três horas pra chegar ao trabalho; dos alunos dos colégios próximos que matam aula pra fumar; dos músicos de rua; do ciclista careca que parece ter nascido junto com a ciclofaixa (e dá a ilusão de que a ciclofaixa tem 60 anos); do casal com criança e skate aos domingos; do pai solteiro com bebê no cangote; do gringo louco por água de coco; da velha que aguarda no canteiro central; da modelo supermaquiada e do fotógrafo sem banho; das pernas que inspiram mais que aeroportos; das feministas; do Elvis Presley tabajara; dos corpos sem cabeça atrás dos guarda-chuvas; dos espancadores de homossexuais; dos gays que se beijam didaticamente; dos que parecem estar em outro lugar; das travestis que andam em dupla; dos cinéfilos que lembram vampiros; do motoboy revistado pelo policial; do barbudo com pizza no sovaco; da magricela com a mochila cheia; do vendedor de milho e pamonha; dos donos das bancas de jornal; dos manifestantes contra; dos manifestantes a favor; dos golpistas; dos fascistas; dos analfabetos; dos que entregam folhetos que ninguém lê; dos que pedem um minuto da sua atenção; dos que tiveram seus filhos mortos pela polícia; dos balconistas de Alagoas; dos haitianos do Glicério e do Chile; dos desempregados que calçam tênis novos; da vendedora de óculos piratas; dos faxineiros que limpam vidraças pendurados em cordas; dos suicidas; dos apaixonados; dos funcionários do metrô; dos que ainda não perderam a esperança.

À Paulista só falta uma coisa: um grande bar. Um lindo bar fosco de sonho com balcão de prata e paredes de vidro à beira de um jardim com filetes de água se rasgando na luz. No topo de um edifício ou no lugar de um deles. Um bar com comida e bebida de graça - onde se possa ficar em silêncio alguma vez.


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