Folha de S. Paulo


Torcicolo

Guazzelli

Naquele dia ele chegou na editora com um torcicolo tão forte que ganhou o apelido de Torre de Pisa.

Na cozinha em que a equipe se reunia pra tomar café, não faltou quem lhe desse conselhos pra sarar logo. (O pior de ficar doente é ter que ouvir conselhos de parentes, amigos e conhecidos. Sem falar nos chatos melancólicos, que te acolhem como se finalmente você tivesse entrado pro time deles, dos que não querem mais viver.

Às cinco da tarde, não aguentando mais de dor, perguntou se alguém conhecia um(a) massagista. Conheciam, mas eram massagistas de madame, e após um mês de férias na Colômbia ele estava sem dinheiro.

A solução foi apelar pros classificados do jornal. Por experiências próprias em madrugadas solitárias, sabia que massagistas de jornal não oferecem exatamente os serviços que anunciam. Mesmo assim, pensou, será que não havia uma única massagista de verdade, recém-formada e barateira, perdida ali no meio do pessoal festivo?

Puxou a cadeira pra perto do telefone decidido a encontrar essa salvadora. Depois de muito "oi, gato, faço completinha", atendeu uma garota de voz doce e comum (parecia ter no colo um pacote de bolachas). Ele chegou a perguntar "você é massagista mesmo?", ao que ela respondeu "claaaro".

Quando abriu a porta (jovem, branca, bochechas vermelhas, gordinha —uma heroína de Dostoiévski), ele achou tudo normal: TV ligada, chinelo no tapete, gato no sofá.

Passaram pela cozinha, onde uma mulher, mais velha que a outra, comia feijão com macarrão. Sem parar de comer, ela o cumprimentou erguendo a mão esquerda.

A sala de massagens era um quarto minúsculo, com uma cama com buraco pra enfiar a cabeça (invenção genial) e uma mesinha com óleos e cremes (ok, massagistas também usam). O estranho era a luz roxa.

Ela avisou que ia buscar uma toalha e enquanto isso ele podia ir tirando a roupa. Explicou que não tinha short —tudo bem ficar de cueca? "Fica pelado", respondeu, e riu de um jeito que queria ser sexy.

Ele sorriu de volta, lembrou da namorada (tinham acabado de se conhecer) e disse: "Olha, não me leve a mal, você é linda, em outras circunstâncias... Mas não vim atrás de programa".

Ela ficou sem graça e saiu. Culpado, ele tirou a roupa e deitou. Ela reapareceu de biquíni. Começou a massagear seus pés. De repente parou e se afastou da cama, encostou na parede. Ele levantou a cabeça —o que aconteceu? Ela respirou fundo e explodiu:

— Eu não entendo as pessoas! Quando eu não fazia programa, os caras tentavam de tudo comigo. Agora que eu me conformei, agora que faço tudo sem pensar muito no que tô fazendo, aparece um louco como você e me rejeita.

Depois, mais calma, jurou que tinha feito faculdade de educação física em Londrina e vários cursos de massagem por aí. Ele acreditou e disse que acreditava. Pagou o que devia e se vestiu.

No elevador, ainda a ouviu comentar com a amiga:

— Cê não acredita o que aconteceu! Escuta essa. O ser humano é foda!


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