Folha de S. Paulo


João

João e sua mãe eram pobres. Todo dia eles tomavam sopa rala com migalhas de pão. O que sobrava ia pra geladeira. No dia seguinte a mesma panela ia pro fogo, com mais água e mais sal.

Um dia João plantou um grão de feijão no algodão molhado. Era uma experiência pra aula de Ciências da escola. O feijão nasceu, cresceu e virou uma árvore enorme, que sumia entre as nuvens.

João decidiu subir no pé de feijão e descobrir se existia alguma coisa lá em cima. No meio do caminho se deu conta de que não ia mais parar e gritou "adeus, mamãe, amo você, desculpa por tudo, obrigado por tudo, sua sopa era ótima". Mas a mãe de João estava costurando e não pôde ouvir o que ele disse.

Quando atravessou as nuvens, João viu surgir na sua frente um pasto dourado, cheio de pessoas simpáticas. Um dos homens simpáticos se aproximou e pôs uma enxada na mão de João, dizendo:

— Trabaia, fião, que aqui ninguém é mió do que ninguém.

Ilustração Guazzelli
#ARSAO1701 FABRICIO CORSALETTI

João trabalhou o dia inteiro. No início da noite, com fome, entrou na cozinha do dono da fazenda, um gigante que eles chamavam de O Holandês ou Cu de Sapo.

O Holandês estava diante de uma mesa do tamanho de uma caminhonete devorando um porco do tamanho de um boi acompanhado de uma jarra de vinho, que fazia as vezes de copo; do lado da jarra tinha um tonel do tamanho de um tonel, que fazia as vezes de jarra. Ele mordia a cabeça do porco, cuspia a cartilagem fora, tomava um trago de vinho, enxugava a boca na manga da camisa e repetia tudo outra vez.

João escalou a perna da mesa, deu três cambalhotas sobre a toalha e pegou uma azeitona. O Holandês agarrou João pela cintura e apertou suas costelas. A azeitona caiu da mão de João. João se perguntou se era um homem ou um saco de batatas e berrou "ME SOLTA, ASQUEROSO!". Cu de Sapo se assustou e obedeceu.

Então João disparou pra fora da casa levando consigo a Galinha dos Ovos de Ouro, que, como o nome diz, botava ovos de ouro –era por causa dela que o gigante era tão rico. Enquanto corria pelos campos de trigo, João pensava "como é bom correr por um campo de trigo".

Cu de Sapo vinha logo atrás. Mas no instante em que sua mão imensa ia tocar as costas de João, o menino saltou no abismo, se segurou num galho do pé de feijão e escorregou –urrando de medo– pro mundo real.

O Holandês foi condenado à morte. O povo, livre, dividiu as terras em lotes iguais e foi mais ou menos feliz até a chegada de um outro gigante, Testa de Grilo —mas essa é uma outra história.

Com sua galinha mágica, João resolveu boa parte dos problemas do bairro. A mãe de João estava orgulhosa do filho. Ele comprou pra ela um casarão com seis piscinas conjugadas e oito varandas suspensas. De noite ela rolava de rir diante da TV.

Mas certa manhã João acordou angustiado. Sua mãe perguntou o que ele tinha e ele respondeu "não enche". No meio da tarde foi até o quintal e torceu o pescoço da galinha, que, apesar de botar ovos de ouro, era mortal como qualquer outra.

A mãe de João voltou a costurar pra pagar as contas do filho viciado em jogo.

No boteco que frequenta, ninguém mais se lembra da aventura de João.


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