Folha de S. Paulo


Paracas

Quando o festival de poesia acabou, pegamos um ônibus pra Paracas, a quatro horas ao sul de Lima, e alugamos um quarto com duas camas de solteiro num hostel perto do mar. No meio da noite acordei pra ir ao banheiro e vi que minha amiga tinha saído. No dia seguinte ela disse que não conseguiu pregar o olho por causa dos meus roncos e acabou mudando de quarto. Pedi desculpa e fomos conhecer a vila.

Os turistas tiravam fotos de dois pelicanos pousados na mureta da rua principal —a da praia—, onde ficavam as lojinhas de artesanato e de agasalhos de alpaca e os restaurantes. Os pelicanos abriam e fechavam as asas e os bicos enormes, com papadas de desenho animado, mas nunca desciam da mureta nem voavam.

Compramos suvenires pras nossas famílias e escolhemos um bar com mesas na calçada pra tomar cerveja. Estávamos os dois cansados de toda aquela conversa e troca de livros e e-mails. O plano era respirar o ar menos intelectual possível e provar pra nós mesmos que a poesia continuava por aí. Provamos a jallea, uma porção de peixe frito em iscas coberto por um molho à base de cebola roxa, pimenta, salsinha e milho verde, que a minha amiga apelidou de "fritalhada".

Ilustração Guazzelli

Uma tarde tentamos escrever um poema a quatro mãos sobre dois poetas pobres que ganham na Mega-Sena, rodam o mundo, compram apartamentos em Paris e em Buenos Aires e fundam uma editora cem por cento engajada na publicação e divulgação da poesia mundial –mas desistimos após algumas estrofes.

Dos pontos turísticos sugeridos pelo casal de italianos com quem nos encontramos várias vezes, visitamos a Reserva Nacional de Paracas e as Islas Ballestas.

A primeira era um deserto com praias de água verde-esmeralda e areias coloridas: vermelho-café, verde-musgo, amarelo-mostarda. O sol frio e o vento áspero como que ajustavam as cores, tornando-as mais intensas. Dava a sensação de que a gente tinha passado tempo demais olhando com filtros pra realidade e então alguém tivesse jogado as lentes fora. Almoçamos num restaurante construído em cima das pedras das margens de um lago. O teto era de palha e mal filtrava a luz do meio-dia. Parecia o único restaurante do mundo. Parecia perfeito. E parecia a Grécia —a Grécia do filme "Mediterrâneo", de Gabriele Salvatores.

De dentro de um barco, navegando ao redor de rochas gigantescas, que emergiam das águas feito icebergs cor de tijolo molhado, vimos —até esquecer tudo o que tínhamos visto antes— milhares de pássaros (alguns pinguins entre eles) e centenas de leões-marinhos. As Islas Ballestas. Os guias dizem que Charles Darwin passou por ali, mas isso não diminui em nada a solidão que você sente naquele lugar.

Na última manhã caminhamos por uma praia coberta de algas. Cartas de baralho, cadarços, um colar dourado, conchas cor-de-rosa. Deixamos tudo lá. Comemos a derradeira fritalhada diante dos pelicanos mercenários e subimos pra Lima saudosos do lendário bar Cordano, onde gastamos sem culpa o pouco dinheiro que conseguimos vendendo algumas roupas num brechó do centro.


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