Folha de S. Paulo


Poemas

PLÁSTICO
Minha rua está sendo plastificada. Há paredes de plástico, sanduíches de plástico, pessoas de plástico por todos os lados. As putas e os travestis são raros. As duas papelarias que eu frequentava não existem mais; no seu lugar inauguraram uma temakeria e uma casa de tacos, ambos de plástico. Cinco prédios, quatro deles de plástico, foram erguidos no último ano, sobre casinhas centenárias. Deles saem cachorros de plástico, que infelizmente não fazem cocô de plástico. Mas o que mais me incomoda são os evangélicos de plástico, seres sem nenhuma melancolia, que saem da igreja como se tivessem fechado um bom negócio, e que rezam como se corressem em esteiras, conferindo no mostrador a quantidade de calorias queimadas. Quando estou bem sou capaz de me divertir nesse cenário. Mas às vezes fico de saco cheio de tanta concessão. Então vou até a livraria de plástico mais próxima, compro o livro de algum poeta de plástico e sento no balcão do primeiro botequim. E com meus ouvidos de plástico, ridículo e louco, ouço o poema cantar.

Ilustração Guazzelli

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DEDO-DE-MOÇA
O dedo mais bonito do mundo. O anular de uma alienígena versada em ciências ocultas. Culta, gata, gente boa. Futurista-vintage. Feminista-fálica. Contra o casamento e a favor do amor. Adepta de longas trepadas silenciosas e rapidinhas falastronas. Romântica. Dramática. Arrebatada. Ó formosa entre as pimentas!

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ROSA
Luz rosa de fim de tarde nas costas do prédio vizinho. Primeiras janelas acesas. Algumas vozes. Barulho de metais. Buzinas de carros distantes. Se o mundo acabasse agora. Se recomeçasse a partir daqui. Se a noite pudesse transformar o brilho desse garfo numa estrela.

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CIPÓ
Eu adorava cipós sem jamais ter visto um. Gostava da ideia de uma corda natural, que ajudava os heróis dos desenhos animados a cruzar precipícios. Melhor que a teia do Homem-Aranha e à disposição de qualquer um. Quando vi um cipó pela primeira vez fiquei decepcionado. Era duro, áspero, difícil de manusear. Estávamos aos pés de uma cachoeira, meu pai e eu. Me agarrei àquele ramo grosso e mais ou menos flexível, e meu pai me empurrou na direção do poço. Fui até o meio e voltei. De novo. Dessa vez fraquejei e despenquei na água gelada. Nunca mais me pendurei num cipó. Nem lembrava que essa palavra existia. Meu pai continua do meu lado. Mas já faz alguns anos que tenho evitado cair na sua frente.

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VANDRÉ
Bêbados, meu pai e eu, na sala de casa, numa de suas vindas a São Paulo. Não sei por que acabamos falando de Geraldo Vandré. Não sei por que meu pai pega o celular e procura um vídeo com uma música dele. Não sei por que encosta o aparelho no copo de cerveja, tira o boné e aperta o play. Não sei por que ouve cada verso como se fosse verdade. Não sei por que seus olhos se enchem de lágrimas. Não sei por que na nossa família somos assim —basta prestar atenção em alguma coisa que nos emocionamos além do razoável. Não sei por que presto atenção nesse homem de repente envelhecido e também começo a chorar.


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