Folha de S. Paulo


Meu fã

Meu único fã. Meu inesperado fã. Meu adorado fã.

Eu o encontrei em Ouro Preto, em agosto de 2010, e jamais o esquecerei.

Visitávamos, minha namorada e eu, uma das igrejas do Aleijadinho quando um senhor se aproximou de mim e disse:

- Você é o Fabrício Corsaletti, não é? Li seus livros. Sou seu fã. Parabéns pelo trabalho.

E apertou minha mão. Depois continuou a examinar os anjos bochechudos.

Fiquei desesperado. Não sabia o que fazer. Saí da igreja. Liguei pro meu pai.

- Um fã em Ouro Preto? Tá brincando. Você tirou foto com ele?

- Pai, cê tá louco? Ele é que devia querer tirar foto comigo.

- Ah, mas você é um xarope mesmo! Volta lá. Tira uma foto com o cara. Larga mão de ser metido.

Por muito pouco não segui o conselho do velho.

Nos dias seguintes topei com meu fã algumas vezes pela rua. Sem graça, comentei com minha namorada ter percebido nele certo constrangimento ao me cumprimentar. Ela sugeriu, não sem antes dar um risinho cínico, que talvez eu estivesse sendo simpático demais.

Decidi ser blasé.

Ilustração Guazzelli

No entanto --como a vida é injusta--, bastou eu tomar a decisão e meu fã desapareceu. Pensei "voltou pra São Paulo", pois a essa altura eu já sabia algumas coisas sobre ele: chamava-se Rui, era engenheiro, estava em Ouro Preto com a mulher, as duas filhas e a sogra (todas adoráveis) e morava nos Jardins.

Acreditando nisso, relaxei. Provei cachaças. Chafurdei no torresmo. Meu pai parou de me ligar a cada fim de tarde pra saber notícias do meu fã. Minha namorada voltou a me respeitar. Mas a vida não é só injusta, é também perversa.

Um dia, ao entrar num restaurante enquanto falava pra minha namorada sobre um poema de Rimbaud, dou de cara com meu fã, sozinho numa mesa grande, evidentemente esperando sua trupe de mulheres, lendo jornal. Assim que me viu, botou o jornal sobre o rosto, escondendo-se como um detetive de cinema.

Minha humilhação foi total. Sentei numa mesa dos fundos e, por alguns instantes, pensei que a dignidade, que nunca foi meu forte, estava perdida pra sempre.

Só me restava o exílio na África.

Mas a vida, além de injusta e perversa, é resiliente. Depois do mal-estar inicial e de algumas cervejas, fui tomado por uma doida alegria por ter reencontrado meu fã. Meu coração coiceava. Meu cérebro foi a mil.

Eu me sentia brilhante -pronto pra copular feito um sátiro ou renovar a poesia brasileira. Fiz minha namorada rir e chorar. Fizemos planos pro futuro. Até que bateu a necessidade de tirar a água do joelho.

Acontece que o banheiro ficava atrás da mesa do meu fã. Ao vê-lo de longe com a família, tive certeza de que eu teria um ataque de riso ao passar por eles. Minha namorada, que veio ao mundo pra se divertir, tentou me ajudar a criar coragem. Pedimos outra cerveja. A vontade só aumentava. Esperei.

Quando me levantei, era um homem transformado. Como se um halo de energia vital cobrisse meu corpo, um halo de luz igualzinho à minha alma. Se o Rui olhasse pra mim naquele momento, se tornaria -dessa vez com motivos- novamente meu fã. Mas na ida ele me ignorou e no meu regresso não estava mais lá.


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