Folha de S. Paulo


Comida de rua

Gosto de rua, de andar na rua, e gosto de comida de rua. Gosto das comidas que como na rua e gosto do fato de comê-las na rua. Gosto inclusive da expressão "comida de rua". Mas se paro pra pensar nas comidas que já comi nas ruas de São Paulo, onde passei a maior parte da minha vida adulta, fico sem graça, como se tivesse enganado a mim mesmo, pois não me lembro de nada muito bom.

Caminho bastante pelo meu bairro e pelos bairros ao redor (zona oeste e centro) e só o que vejo são alguns carrinhos de cachorro-quente (servidos com os péssimos purê e ervilha e a duvidosa batata palha) e de milho-verde e pamonha -o cheiro de milho cozido que eles espalham no ar já justifica sua existência.

Em Perdizes, na esquina da PUC, tem um chinês que faz yakisoba numa Kombi e, ao lado dele, em outra Kombi, um japonês frita bolinhos de carne e pastéis bem razoáveis. Há mais exemplos, claro. Mas desconfio que não muitos.

Numa cidade do tamanho de São Paulo, com desigualdade social gritante, tinha que haver mais comida de rua -boa e barata. Fast food de verdade, pra ser consumida em pé ou em banquinhos por quem não tem tempo nem dinheiro pra entrar num restaurante. Acarajé, sopas, espetinhos, salgados, macarrões, cuscuz paulista etc.

Ilustração Guazzelli

Mas fiquemos com o acarajé. Se importamos o norte-americano cachorro-quente, por que não o divino bolinho de feijão com vatapá, caruru (nem sempre), vinagrete, pimenta e camarão seco da Bahia? Por que não abrir, pelo menos na avenida Paulista, duas filiais dos melhores acarajés de Salvador, o de Cira e o de Dinha? Uma barraca ficaria entre os metrôs Brigadeiro e Paraíso e a outra na esquina da Paulista com a Consolação. E aposto que as filas se encontrariam em frente ao Masp.

Secretárias, vendedores de loja, executivos, designers, skatistas, turistas, blogueiros, donos de banca de revista e glutões de modo geral discutiriam as qualidades e os problemas (que não existem, mas o pessoal daria um jeito de criticar) dos dois, os jornais fariam uma reportagem sobre cada um e em pouco tempo os acarajés de Cira e Dinha se tornariam tão paulistanos quanto o sushi.

Ao redor das baianas, seriam ouvidos comentários inocentes ou perversos como: "Dizem que em Salvador tem uma filial da Dinha", "Contam que a Cira nasceu no Bexiga e só depois foi pra Itapuã, aos quatro anos", "Está provado que é melhor pra saúde comer um acarajé do que seis coxinhas com Catupiry".

Mas talvez eu esteja falando bobagem, e a comida de rua paulistana, hoje, sejam os salgados dos botecos com balcões de vidro tão próximos da rua que o freguês é quase obrigado a comer na calçada. Basta descer a Teodoro Sampaio pra testemunhar o longo e ostensivo desfile de esfirras, enrolados, quibes e torresmos.

Em todo caso, que me seja permitido imaginar uma São Paulo menos fechada e mais generosa, em cujas ruas não circulem apenas motoristas doentios e pedestres desesperados, mas pessoas em busca de comida saborosa (colorida, perfumada!), vendida a preço justo.


Endereço da página: