Folha de S. Paulo


O lado bom da vida

John Macdougall/AFP
Donald Trump e Michel Temer durante encontro do G20, na Alemanha
Donald Trump e Michel Temer durante encontro do G20, na Alemanha

Um de meus maiores defeitos é o otimismo. Consigo ver vantagem, por exemplo, em termos um boçal na Casa Branca. E um denunciado no Palácio do Planalto.

Explico-me. Primeiro, sobre os Estados Unidos. Há muito a figura do presidente precisava ser desvalorizada. A reverência com que os americanos tratam seu comandante em chefe beira a que os egípcios depositavam no faraó. Isso não combina com um sistema democrático.

O lado bom de Donald Trump é que ele convida ao escárnio. Basta ler um de seus tuítes que a santidade dessa figura que conhecemos como líder do mundo livre, a rodar o planeta em seu Air Force One e ser personagem de blockbuster ou série de TV, se esvai rapidamente. É algo saudável.

Todos os presidentes americanos têm problemas. Richard Nixon era o canalha, Ronald Reagan, o senil, Bill Clinton, o mentiroso. Nenhum deles era ridículo, no entanto. Essa pode ser a grande contribuição de Trump para a democracia de seu país.

Ridículo não quer dizer inofensivo, obviamente. Em seis meses no cargo, Trump aumentou o estigma para muçulmanos, rasgou o melhor acordo ambiental da história e está sedento por uma guerra.

É provável que conservadores mais respeitáveis, como George W. Bush (olhe a que ponto chegamos), tivessem feito o mesmo. A diferença de Trump é a embalagem, não o conteúdo, mas não é pouca coisa.

No Brasil, estamos à beira do terceiro presidente em dois anos e meio. A derrocada de Michel Temer tem a grande vantagem de mostrar os limites desta panaceia chamada parlamentarismo. É assim que o presidente se define, afinal: semiparlamentarista, com governo formado por congressistas em troca de apoio a reformas.

Isso vai muito bem em momentos de tranquilidade, mas se torna um inferno em uma crise. Fôssemos parlamentaristas, talvez estivéssemos caminhando para o quinto ou sexto primeiro-ministro da era Lava Jato. Seríamos como a Itália, com seus 42 chefes de governo desde o pós-guerra, ou o Japão da memorável frase de Lula, onde se dá bom dia para um primeiro-ministro e boa tarde para outro.

Se Temer cair, o que começa a parecer o cenário mais provável, haverá um coro por continuidade e estabilidade num governo Rodrigo Maia, com o argumento de que o país não aguenta mais solavancos.

É certo que Botafogo, às voltas com suas próprias menções em delações, repetiria este modelo semiparlamentar de governo. E mais certo ainda que novamente ficaria exposto a ser vitimado pela Lava Jato, reiniciando um ciclo interminável.

Ao menos no Brasil não corremos o menor risco de endeusar governantes como os americanos sempre fizeram. Veja pelo lado bom.


Endereço da página: