Folha de S. Paulo


Papo de elevador

Aconteceu nesta quinta-feira, quatro dias depois do GP da Espanha.

A porta já ia fechando quando notei os passos apressados de alguém que também queria subir. Coloquei o pé, travei o elevador, senti-me um bom samaritano dos tempos modernos.

O colega entrou, agradeceu, seguiu-se aquele silêncio sepulcral. Até que ele decidiu falar.

"Que corrida, heim?"

"Oi?"

"Que corridaça da F-1. Fazia tempo que eu não via uma corrida tão boa assim".

"É, foi mesmo muito boa".

"Que diferença faz quando os carros da Mercedes não estão na pista... Foi corrida de verdade. Teve emoção, teve um monte de ultrapassagens... A gente não sabia quem ia ganhar até a última volta. Deveriam proibir a Mercedes de participar por umas cinco corridas".

Comecei a me empolgar com o papo. Tentei fazer o advogado do Diabo, o cético, o "especialista".

"Mas as últimas corridas também tiveram muitas ultrapassagens. Houve recordes e tudo o mais. E a F-1 sempre teve equipes dominantes. Só para falar das últimas décadas, houve a época da McLaren, depois vieram Williams, Ferrari, Red Bull..."

"Não é isso", disse o colega, colocando-me no meu lugar. "O que atrai o público é a imprevisibilidade. Eu não ligo se houve uma baita briga pelo 13º lugar. O que a gente quer ver é disputa lá na frente. Com a McLaren do Senna e do Prost, isso acontecia. O domínio de uma equipe não era ruim. Mas da Ferrari do Schumacher pra cá, ficou muito chato. Não é de hoje que a popularidade vem caindo, não é por acaso".

"É, você tem razão", entreguei os pontos.

Seguiram-se mais alguns segundos de silêncio, o maldito elevador parava a cada andar, mais gente ia entrando.

"O garoto é bom, heim?"

O "garoto". Não foi preciso dizer mais nada, era claro a quem ele se referia.

"Muito bom. E fez o que um novato tem que fazer. Chegou chegando".

"É isso... Chegou chegando. Quando vai aparecer um brasileiro assim, heim?"

O elevador chegou ao nosso andar. Descemos. Só tive tempo de murmurar um "não sei, é difícil", antes de nos despedirmos.

A ficha só caiu instantes depois. Não foi a instabilidade do clima, as mudanças em Brasília, as obras intermináveis na avenida em frente. O papo no elevador foi F-1, foi o GP do fim de semana –curiosamente em Barcelona, que sempre produz provas entediantes.

O que boa corrida não faz? O que o surgimento de um moleque como Verstappen não faz?

Pés no chão: tudo deve voltar ao normal em Mônaco.

Mas há esperança. E tem o brilho do sorriso escancarado de um holandês de apenas 18 anos.


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