Folha de S. Paulo


Sobre Emerson

Abril de 1984. A situação estava complicada no clã Fittipaldi quando Emerson topou a loucura de correr naqueles ovais até então enigmáticos para muitos por essas bandas.

Ele já tinha 37 anos, dois títulos mundiais, era reconhecido como um dos maiores pilotos de todos os tempos, estava parado desde 1980... Mas precisava desesperadamente de dinheiro.

A aventura da equipe brasileira na F-1 fracassara de forma retumbante. Os irmãos Fittipaldi, Emerson e Wilsinho, acumulavam dívidas. A situação econômica do país era complicada, a inflação anual superava os 200%. E havia sempre há a questão do orgulho ferido.

(Em tempo: as estatísticas da Copersucar-Fittipaldi nem de longe justificam as gozações feitas neste país em que absolutamente tudo vira piada. Dezenas de equipes entraram e saíram da F-1 nas últimas décadas com desempenho muito pior.)

Emerson não gostava de ovais. Já havia testado em Indianápolis quando ainda corria na F-1. Considerava aqueles circuitos arriscados demais. Mas a proposta de um cubano-americano endinheirado, Pepe Romero, falou mais alto. Era a aguardada luz no fim do túnel.

E assim, ao volante de um March pintado de cor de rosa, o caçula dos Fittipaldi estreou na Indy.

Recomeçou. Teve uma segunda chance de vencer na carreira de piloto e o fez de forma única, épica.

Tornou-se o primeiro brasileiro a vencer uma corrida na Indy, o primeiro a ganhar as míticas 500 Milhas de Indianápolis, o primeiro a se tornar campeão da categoria americana _que, àquela altura, incomodava a F-1.

Virou uma espécie de "rei de Miami". Ganhou nome de rua por lá. Assumiu dimensão tal no automobilismo dos EUA que permitiu-se beber suco de laranja de suas fazendas em vez da tradicional garrafa de leite na celebração pela segunda vitória em Indianápolis, em 1993.

Seu sucesso atraiu uma legião de pilotos brasileiros para a Indy, inclusive Christian, filho de Wilsinho. Pela segunda vez, Emerson abriu caminho para os pilotos do país. Só decidiu pendurar o capacete em 1997 depois de dois graves acidentes: bateu no oval de Michigan e, ainda se recuperando, caiu de ultraleve no interior de São Paulo.

Abril de 2016. Emerson volta a ser notícia. Mais uma vez, enrolado financeiramente. Entre penhoras, duplicatas e hipotecas, as dívidas chegam a R$ 27 milhões.

Fornecedores das corridas do Mundial de endurance que o ex-piloto promoveu em Interlagos estão entre os credores. A imagem mais triste dessa situação foi mostrada pela TV Record: o carro vencedor das 500 Milhas de 1989 sendo levado de seu escritório por oficiais de Justiça.

Dívidas devem ser pagas, não há discussão. "É melhor ir dormir sem jantar do que se levantar com dívidas", diz um provérbio judaico.

Que Emerson consiga resolver seus problemas, apesar de não poder mais contar com seu talento nas pistas. Que limpe as manchas que ele mesmo lançou sobre sua biografia. Que aquele carro vermelho e branco retorne para a Rebouças.

Será uma pena com 500 milhas de extensão se biografia tão espetacular terminar assim.


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