Folha de S. Paulo


Repelente

A F-1, de tempos em tempos, cria excrescência.

Dá uma antologia. Carros compartilhados, descarte de pontos, pneus com sulcos, bicos com degraus, fim do reabastecimento, punições cumulativas, "pontos na carteira", classificação em apenas uma volta, soma de tempos para definir o grid...

Algumas regras bizarras têm vida curta. Até mesmo os dirigentes percebem o ridículo da situação e voltam atrás. Outras são duradouras, tumultuam ainda mais um esporte complicado por natureza e colaboram para a perda de interesse do público.

Um dos mais recentes absurdos, aleluia, está com os dias contados: os "tokens" para desenvolvimento das unidades de potência.

Essa besteira foi criada pela FIA no ano passado para controlar o desenvolvimento dos motores.

Já é um erro na origem.

Este colunista cresceu ouvindo que a F-1 é a principal categoria do esporte a motor. O auge. O topo. Um laboratório para desenvolvimento de tecnologias. Uma competição, sem limites, para decidir quem tem o melhor equipamento, o mais resistente, o mais veloz.

Por isso assistimos às corridas.

Os tais tokens são um tiro nessa essência.

Pela ideia da FIA, cada fornecedora de motores tem direito a um número de tokens, que varia de acordo com o componente da unidade de potência. Cada token corresponde a uma evolução no respectivo componente.

Tem mais. A quantidade total de tokens seria decrescente a cada temporada. Gastar mais do que o estipulado acarreta punições, uma das sandices listadas ali no começo.

Na metade do ano passado, com a Honda já tendo queimado todos os tokens e lutando para desenvolver seu motor neste retorno à F-1, Alonso e Button somavam 105 posições a mais no grid. O espanhol chegou a sugerir um bolo para celebrar a ultrapassagem da marca centenária.

Se é complicado para quem acompanha F-1 de forma intensa –seja piloto, jornalista ou torcedor–, é algo impenetrável para aqueles que começam a rondar o esporte. Mais: é repelente.

Na quarta-feira, durante o lançamento do (belo) carro da Renault, o diretor da equipe revelou que este será o último ano do sistema.

"Uma F-1 com limitações na performance do motor não é boa para ninguém. Não é boa para a Mercedes, para a Renault, para a Ferrari...", disse Cyril Abiteboul. "Decidimos acabar com essa confusão para o público."

Óóóóó. Jura? Precisaram de um ano inteiro para chegarem a essas brilhantes conclusões?

Em 2016 ainda teremos que conviver com os tokens.

Mas valerá a pena cortar um bolo depois do GP de Abu Dhabi, quando essa invencionice se tornar apenas uma triste memória. Eu pago.


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