Folha de S. Paulo


A caixa de papelão

A caixa de papelão no canto da sala irrita.

Irrita tanto que vence a preguiça que a deixou lá por algumas semanas, desde a última visita dos pais.

"Estava lá em casa e trouxemos. Pode ser que você precise de alguma coisa que esteja aqui".

Meu pai e eu sabemos que essa é apenas uma desculpa para se livrar do trambolho que o irritava em São Paulo. No Rio, é chegada a hora de abri-la e livrar-se do que há lá dentro.

Ou não.

Começo a redescobrir meus velhos livros sobre automobilismo. Obras raras, algumas ganhas, várias compradas... Não, não dá para jogar fora no atacado. É preciso abrir uma a uma, analisar caso a caso.

Há um suplemento da "Quatro Rodas" de fevereiro de 1973, relatando os GPs Brasil e da Argentina. Os textos são assinados por Emerson.

"A verdade é que durante toda a corrida não tive qualquer obstáculo sério: o Lotus dava a impressão de ter sido projetado especialmente para correr em Interlagos".

Isso tem que ser guardado.

Há a revista oficial do GP Brasil de 1977. Com direito a um quadro de velocidades médias: "com o relógio na mão, será fácil ver na tabela a média horária de cada carro". Assim, se alguém fazia a volta em 2min31s2 era só pesquisar e... 189,523 km/h!

E os anúncios? Meu preferido é o dos faróis de milha Cibié: "Imagine só o que as menininhas vão pensar quando descobrirem que você morre de medo do escuro".

Há a melhor reportagem já escrita sobre automobilismo, que foi tema de coluna aqui em junho de 2005. Cinquenta anos antes, o jornalista inglês Dennis Jenkinson atuou como navegador de Stirling Moss na Mille Miglia, a principal corrida de estradas da Europa, uma aventura inconcebível hoje em dia.

Foi a maior vitória daquele que é o maior piloto a nunca ter conquistado o título da F-1.

O relato é uma delícia, repleto de detalhes, uma viagem no tempo. Eu costumava oferecer cópias a meus alunos na pós-graduação de Jornalismo Esportivo.

Muito mais recente, mas também digna de ser guardada, há uma edição brasileira (lembram?) da "F1 Racing" anterior ao GP Brasil de 2008.

"Chegou a hora de Felipe Massa", pregava o editorial.

"Pelo que o brasileiro vem pilotando neste ano, o título de 2008 ficaria em boas mãos. Mas Hamilton também é outro piloto que se mostra mais do que pronto para erguer a taça".

Sabemos o que aconteceu. E, ironia, justamente porque aquilo aconteceu, a revista não teve fôlego para sobreviver no mercado brasileiro.

A caixa de papelão no canto da sala me faz sorrir. Um presente de Natal.


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