Folha de S. Paulo


Passagem de bastão

Foram dois os personagens do insosso GP Brasil. Curiosamente, dois pilotos em momentos opostos da carreira.

Na sexta e no sábado, Alonso deixou claro que não esquenta mais a cabeça com o desempenho da McLaren (?) e da Honda.

Depois de mais um motor ir para o espaço, com apenas meia hora do segundo treino livre, o bicampeão sentou no guard rail e ali ficou, olhando para o vazio, talvez refletindo sobre a vida, sobre suas escolhas, sobre o lixo de temporada que viveu.

No dia seguinte, partiu para a galhofa.

O motor para o treino oficial durou só meia volta. Alonso deixou o carro, emprestou a cadeira de um fiscal, deu uma piscadinha marota para a câmera e passou alguns instantes de olhos fechados, cabelos ao vento, curtindo o sol que batia em Interlagos. Instantes depois, as redes sociais já estavam inundadas de memes.

Não parou por aí. Assim que chegou aos boxes, ele puxou Button e os dois subiram ao pódio, para risada geral do autódromo, das arquibancadas à sala de imprensa.

(Para quem não conhece Interlagos, um esclarecimento importante: os boxes da McLaren não estavam próximos do pódio. Eles precisaram desviar o caminho e subir uma escada para chegar lá. O deboche foi pensado, deliberado, intencional. E divertidíssimo.)

Estaria Alonso em fim de carreira na F-1? Sim. O que é um enorme desperdício.

O espanhol é dos pilotos mais talentosos das últimas décadas, mas foi atropelado pelas escolhas que fez, culpa de seu sangue quente. Hoje não parece ter mais ganas para ambicionar, brigar, conquistar. Jogou a toalha. Provavelmente deixará a F-1 com apenas dois títulos mundiais, quando merecia muito mais.

No outro extremo da carreira, Verstappen deu um show no circuito paulistano. A ultrapassagem sobre Pérez, por fora, no S do Senna era o que faltava para coroar a temporada de estreia do mais promissor piloto do grid atual. Um cartão de visitas, um lance para a retrospectiva dos melhores momentos do ano.

No paddock, os sorrisos adolescentes do holandês brilhavam em meio a um paddock já em fim de campeonato.

Pudera. Em seu primeiro ano, Verstappen já marcou 49 pontos, mais do que o dobro do companheiro, Sainz, também estreante e filho de ex-piloto.

Verstappen, aos 18, hoje lembra aquele Alonso de 23 que embasbacou o mundo ao segurar Schumacher e vencer o GP de San Marino de 2005.

A certeza que tivemos naquele momento repete-se agora com o holandês.

Mas lá se vão dez anos. Envelhecemos, assumimos outros interesses, adotamos novas prioridades. É do jogo.

Mas fica a certeza de que a cota de talento de Alonso estará em ótimas mãos –e numa cabeça mais fria, ao que parece.


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