Folha de S. Paulo


O bem que Verstappen faz

Arranjos internos, ordens de equipe e preferências a um ou a outro piloto existem desde as primeiras corridas de automóvel, nos finais do penúltimo século.

O fato de ser prática antiga não ameniza a indignidade nem reduz a antiesportividade.

Quando o melhor não vence, quem perde é o esporte. Resta um cheiro ruim no ar.

Ao longo da história, grandes pilotos estiveram envolvidos em controvérsias do tipo. Para ganhar ou para perder, para ceder ou para escalar posições.

Fangio e Senna já abriram mão de vitórias. Mas foram mimos para companheiros de equipe –respectivamente Moss e Berger–, agradecendo ajudas passadas, de olho em favores futuros.

O mesmo Senna, anos antes, quando lhe foi conveniente, jogou por terra um acordo interno da McLaren e ultrapassou Prost na relargada do GP de Imola de 1989. Foi o estopim para a guerra interna na equipe, uma das mais ferozes da história do esporte.

Em 81, em Jacarepaguá, apenas a segunda etapa daquela temporada, Reutemann ignorou ordens da Williams e bloqueou o avanço de Jones.

Em Kyalami-83, Patrese tinha ordem de Ecclestone, chefe da Brabham, para deixar Piquet passar caso o título do brasileiro estivesse em risco. Não foi necessário.

Em 98, na Austrália, Coulthard deu a vitória a Hakkinen, abrindo o caminho para o primeiro título do finlandês.

E por aí vai...

Em tempos recentes, três brasileiros foram subservientes a ordens de equipe.

Barrichello chocou o esporte em Zeltweg-2002, talvez mais pela forma do que pelo conteúdo: a maneira como fez foi das mais escancaradas.

Massa enterrou anos de sua carreira ao ouvir "Fernando is faster than you" e abrir passagem para Alonso no GP da Alemanha de 2010. Só começa a se recuperar agora.

E Nelsinho foi protagonista daquela que considero a maior patifaria da história do esporte a motor. Em Cingapura-2008, colocou sua integridade física em risco em troca de um arranjo de resultado. Difícil imaginar algo mais baixo.

Pois coube a um adolescente imberbe reescrever essa história, recuperar nossa fé no esporte, no jogo limpo, na lisura dos resultados.

Os "nãos" de Verstappen diante da ordem da Toro Rosso para que ele cedesse posição para Sainz caíram como um bálsamo.

Foi a primeira vez, desde a abertura das conversas de rádio nas transmissões da F-1, que um piloto negou-se a ser subserviente.

"Meu pai chutaria meu saco se eu abrisse passagem", disse o moleque. Seu pai, Jos, tem conhecimento de causa: sofreu ao dividir a Benetton com Schumacher em 94.

Aos 17 anos, Verstappen mostrou de que material é feito.

E fez um bem danado a todos nós.


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