Folha de S. Paulo


Há 15 anos

Há exatos 15 anos, a primeira página desta Folha trazia como grande destaque uma enorme foto de F-1. Lá dentro, o caderno "Esporte" tinha dez páginas, cinco delas dedicadas ao GP da Alemanha.

Há exatos 15 anos, uma segunda-feira, o Brasil tinha um único assunto, e não era o Caso Encol ou a primeira reeleição de Chávez na Venezuela, também ocorrida no domingo.

Há exatos 15 anos, o Brasil deixava um pouco de lado os problemas e a rodada do futebol e se perguntava: "Agora vai?". (No fundo, todo mundo achava que poderia ir.)

A capa de "Esporte" trazia o enunciado "Enfim Barrichello" e uma foto do piloto se debulhando em lágrimas no pódio de Hockenheim.

Foram dias intensos, aqueles. Eu estava lá e jamais vou esquecer.

O domingo começou sem grandes perspectivas. Após uma empolgação inicial com Barrichello na Ferrari, já estava claro qual era o espaço do brasileiro na equipe. No Mundial, ele era o quarto colocado. No grid, apenas o 17º.

Eu era repórter desta Folha e da Rádio Bandeirantes. Flavio Gomes, meu antecessor no jornal, estava na Jovem Pan. Chegamos juntos ao circuito e lembro de ficarmos batendo papo com os brasileiros da F-3000 sobre a corrida da véspera. Na F-1, imaginávamos, seria mais um domingo como os outros, quase protocolar: vitória de Schumacher.

O tempo passou, a rotina pré-GP correu normalmente, veio a largada. E então Barrichello fez uma das maiores corridas de recuperação da história da F-1. Na primeira volta, passou cinco adversários. Na segunda, deixou mais dois pra trás. Na 15ª volta, já era o terceiro colocado.

Na 33ª das 45 voltas, começou a chover. Com o asfalto escorregadio, os pilotos começaram a entrar nos boxes para colocar pneus de chuva. Barrichello não. Ficou na pista. Segurou o carro no braço, apesar das condições traiçoeiras. Na 35ª volta assumiu a liderança, que não perderia mais.

"Categoria festeja triunfo de seu bibelô", foi uma das reportagens da Folha naquele dia. E exprime bem o que se viveu em Hockenheim. Nunca um piloto havia esperado tanto tempo para vencer: 124 GPs. E a F-1 reconheceu isso. Funcionários de várias equipes correram para baixo do pódio para aplaudir o brasileiro. Hakkinen e Coulthard, segundo e terceiro colocados, o colocaram sobre os ombros, para ser reverenciado.

Lembro de tomar um pito da FIA por ter colhido uma declaração de Barrichello, ao vivo, para a rádio, antes da cerimônia do pódio. Respondi com algo na linha: "Desculpem, mas hoje a regra não vale".

Horas depois, no paddock, Barrichello concedeu uma boa entrevista. Disse que o abraço que recebeu de Schumacher foi "carinhoso", que chorou o tempo todo na última volta e que não guardava rancor das piadas e críticas. Sei.

O trabalho entrou pela madrugada. Textos e mais textos para o jornal, boletins e mais boletins para a rádio.

Quando tudo acabou, lembro de virar para o Flavio, que terminou o trabalho no mesmo instante, e só então notarmos que fazia um frio tremendo na sala de imprensa.

As folhas de papel dos "press releases" das equipes estavam úmidas. E nós, de camiseta.

Só restávamos nós dois em Hockenheim. E o motorista do micro-ônibus, que pacientemente aguardava para nos levar até o estacionamento.

Fomos embora sem saber o que nos aguardava dali pra frente. "Agora vai?"

Não foi.


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