Folha de S. Paulo


Tempo de despertar

Há pouco menos de dois anos, Nico foi tema desta coluna.

Lembrava de uma cena testemunhada em 2006, no bar de um hotel no Bahrein. Feliz da vida, Keke pagava drinques a quem se aproximasse no balcão. "O garoto é bom, o garoto é bom", repetia, num mantra, o pai cheio de orgulho.

Horas antes, aos 20 anos, seu filho havia estreado na F-1. Saindo de 12º no grid, terminou na zona de pontos, em sétimo. E ainda cravou a melhor volta.

"The boy is good."

De lá pra cá, o garoto deixou de ser garoto e provou ser mesmo bom. Conquistou 15 poles, 8 vitórias e mais nove melhores voltas.

No ano passado, entrou pela primeira vez numa luta por título. Com autoridade.

Liderou o Mundial até a quarta etapa, perdeu a ponta na Espanha, recuperou-a em Mônaco, enfileirou mais sete GPs na liderança e só foi superado de novo por Hamilton a cinco corridas do fim da temporada. Terminou vice, mas com status de protagonista.

Veio 2015. Nico chegou a Melbourne como candidato natural ao título, ao lado do companheiro de Mercedes. A F-1 esperava mais um duelo prateado, cabeça a cabeça. Uma reprise do campeonato anterior.

Mas talvez não seja assim.

Na Austrália, pole, melhor volta e vitória de Hamilton. Barba, cabelo e bigode. Nico largou em segundo e chegou em segundo.

Na Malásia, pole de Hamilton, vitória de Vettel. Nico largou em terceiro e chegou em terceiro.

Já são oito corridas, portanto, com Hamilton soberano na Mercedes. Ganhando espaço, crescendo, se impondo. Coincidência ou não, o alemão parece se apequenar. Não demonstra mais a gana do ano passado, não exibe aquele "sangue nos olhos", como dizem nas quebradas por aí.

Externamente, Nico tem outro problema: Vettel.

Chefe da Mercedes, Wolff classificou a vitória ferrarista de "alerta para despertar".

"Em duas semanas, eles surgiram com um carro que nos superou. Não esperávamos que crescessem neste ritmo. Eles mereceram vencer. Vamos ter que refletir. Isso faz com que subamos nosso ritmo de desenvolvimento", disse o dirigente.

A distância ainda é grande –o emotivo triunfo em Sepang deve muito a circunstâncias do fim de semana, ao comportamento dos carros numa situação extrema de calor.

Mas o domínio prateado deve diminuir. O crescimento da Ferrari é evidente. E se há um piloto empolgado na F-1, louco para calar os céticos e críticos, é o tetracampeão.

É do jogo, já vimos esse filme: se a Ferrari começar a incomodar, a Mercedes passará a priorizar seu piloto que estiver na frente. Tudo leva a crer que será Hamilton.

Na melhor equipe do grid, o garoto bom corre o risco de virar Barrichello.


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