Folha de S. Paulo


A volta do medo

Bianchi vive, não sabemos exatamente em que condições.

Os fatos que sabemos: ele sofreu um grave traumatismo cerebral, foi operado, continua em estado grave na UTI do Hospital Geral de Mie e está sendo assistido pelos pais e pelo especialista Gerard Saillant, presidente da Comissão Médica da FIA. O resto é especulação.

Mas isso já é suficiente para criar outro fato: o medo da morte, que voltou a rondar a F-1.

É como se a categoria estivesse despertando de um sonho. É como se os pilotos de repente se reconhecessem humanos, frágeis. Mortais.

Sobre o acidente em si, não vejo culpas. O que houve na minha opinião foi uma trágica soma de problemas. Estava chovendo? Sim, mas a F-1 já correu em situações muito piores. Não deveria haver trator ali? Não, mas sempre teve, e aquela seria apenas mais uma intervenção rápida, de rotina, nos cafundós da área de escape.

(Isto posto, a FIA deveria abolir os tratores de todos os circuitos e adotar guindastes, atrás das barreiras de proteção, a exemplo do que faz em Mônaco. Seria uma ótima resposta aos fãs.)

Chegar a circuitos novos é sempre excitante, curioso, divertido. Desta vez, não. O paddock está soturno, os pilotos estão abalados, até a efervescência do mercado ficou em segundo plano.

Muitos deles, embora acostumados com a velocidade e os riscos desde cedo, nunca tinham visto a morte tão de perto, ali ao lado, rondando um colega.

O acidente de Massa, em 2009, também preocupou a todos, mas gerou menos medo. Foi fruto de um gigantesco azar, de uma tremenda improbabilidade, uma mola que se soltou do carro da frente. O que aconteceu com Bianchi poderia ter acontecido com qualquer um.

Lembrei de uma reportagem que fiz, dez anos atrás, com Christian Klien. Lembram dele? Chegou à F-1 com 21 anos, pela Jaguar. Correu por Red Bull e Honda. Hoje disputa provas de endurance.

Klien tinha 11 quando Senna morreu e não lembrava das corridas do brasileiro. Era muito criança. Este era o "gancho" daquela matéria: a F-1 começava a receber pilotos que não tinham lembranças do tricampeão, que só o conheciam por ouvir falar.

Hoje, este grupo é bem maior. Naquele 1º de maio de 1994, Kvyat ostentava 4 dias de vida. Magnussen tinha 1 ano. Chilton e Gutierrez, 2. Ericsson, 3. Vergne, Pérez, Bottas, Ricciardo e o próprio Bianchi, 4. O tetracampeão Vettel tinha 6.

Dos 22 pilotos do grid atual, 17 tinham menos de 10 anos. Não viram Senna, mas também não viram a morte de Senna.

Há cinco dias, foram apresentados ao medo. Suas vidas não serão as mesmas.

fseixasf1@gmail.com


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