Folha de S. Paulo


Vices e vices

É chavão no automobilismo, com paternidade atribuída a dezenas de pilotos, a história de que "o segundo colocado é o primeiro perdedor".

É realmente uma boa sacada, tem um quê de poesia, deve ser uma bela peça motivacional. Mas não é exatamente assim. Porque pode ser ainda pior, uma tragédia completa, o fim do mundo. Mas também pode ser um triunfo com nesgas de orgulho, ares de celebração.

Duas histórias de 2012 ilustram com rara riqueza essa história de vices com sabores diferentes.

A primeira delas foi sacramentada no último sábado.

Depois de liderar a Indy por 10 das 15 etapas, de abrir 36 pontos de vantagem a duas provas do fim do campeonato, de largar para a corrida decisiva nove posições à frente do rival... Power foi vice.

Muito pior: trivice.

É um baque mais inacreditável do que os outros dois.

Porque o primeiro foi até normal, sua estreia lá na ponta da categoria, na disputa pelo título. O segundo também foi no último momento, mas entrou no rol do "acontece".

Inacreditável é que tenha acontecido de novo. O raio, duas vezes na mesma cabeça. Com cenas de drama, como a batida no muro e o retorno desesperado ao carro para colher mais algumas voltas e tentar tornar mais difícil a tarefa do rival, Hunter-Reay. Não deu. Trivice.

"É deprimente perder o campeonato de novo dessa forma", disse Power, dando a impressão de que só usou esta definição porque não achou palavra mais funesta.

O contraponto pode estar na F-1.

Com Raikkonen.

Em julho, esta coluna escreveu que "com discrição, comendo pelas beiradas, ele avança no campeonato". Àquela altura, ele havia acabado de subir para a quarta colocação no Mundial. Hoje ele já é terceiro, a um ponto de Hamilton, o segundo.

E com a melhor regularidade na zona de pontos, empatado com Alonso, o virtual campeão do ano --ambos somente deixaram de pontuar em uma corrida até agora.

Tirar o título do espanhol é muito difícil, mas matematicamente possível. E a Lotus tem razão ao anunciar que vai se jogar de cabeça nas etapas que restam.

Há oportunidades na vida que não podem ser desperdiçadas.

"Não somos ingênuos, sabemos que nossas chances são minúsculas. Mas vamos nos esforçar como loucos enquanto elas existirem", lançou Boullier, chefe da equipe, no caminho para Cingapura.

Mesmo se terminar em terceiro, Raikkonen terá motivos para festejar: chegará ao feito após dois anos longe da F-1, por uma equipe média, quando muita gente duvidava da sua capacidade nesse regresso.

Um resultado com gosto doce. Power, sem pestanejar, trocaria pelo amargor que enfrenta agora e que deve durar até o próximo março.

fabio.seixas@grupofolha.com.br


Endereço da página: