Folha de S. Paulo


Arthur e Tábata

O adolescente negro Arthur Abrantes, 19, sempre morou em Paracatu, no noroeste de Minas. Filho de um mecânico e de uma auxiliar de enfermagem, cresceu em um bairro com problemas de violência e drogas e fez todos os estudos em escola pública. Poderia ser o preâmbulo de mais uma história triste, mas não: em fevereiro, um representante de Harvard lhe telefonou para dizer que fora aceito na mais prestigiosa universidade do mundo.

Arthur aprendeu inglês sozinho via internet e foi o melhor aluno da turma no Instituto Federal do Triângulo Mineiro. Ao mesmo tempo, participou de um grupo de teatro, montou um projeto de ensino de inglês em escolas públicas e ganhou medalhas em concursos de robótica, astronomia e matemática.

Para quem vê em Arthur um exemplo contra ações afirmativas, não terá nele um aliado. Ele sabe que a sua história de vida, enviada em forma de redação, teve um papel importante no processo de escolha.

"Se eu fosse avaliado olhando só aonde cheguei, e não também de onde vim, provavelmente não teria passado em Harvard. Como não há no Brasil um sistema que avalia as condições iniciais, então é preciso ter cota", disse Arthur, em conversa em São Paulo na quinta-feira (30)."

Dois dias antes, ele finalmente conhecera pessoalmente a paulistana Tábata Amaral de Pontes, 22, recém-formada em Harvard e também vinda de família pobre. Foi depois de ver uma reportagem sobre ela que Arthur decidiu perseguir o mesmo sonho.

Durante os quatro anos em Harvard, Tábata priorizou estudar educação no Brasil. Para a sua tese de conclusão, visitou sete municípios, de Foz do Iguaçu (PR) a Sobral (CE). Concluiu que o acirramento da disputa partidária tem efeito perverso nos sistemas educacionais.

De volta há um mês, ela está trabalhando no movimento Mapa Educação, que ajudou a fundar há dois anos e que pretende pautar o tema nas próximas eleições com várias iniciativas. Uma delas será questionar candidatos a prefeito sobre como escolherão seus secretários de educação e diretores de escola.

Arthur não embarcará sozinho. Neste ano, sete brasileiros foram aceitos pela universidade por onde passaram o presidente Barack Obama e metade dos oito juízes da Suprema Corte. O número, recorde para o país, inclui outros dois egressos de escolas públicas. Na era da informação, eles souberam aproveitar as oportunidades disponíveis para alunos talentosos, respaldados por instituições como a Fundação Estudar.

Esse recrutamento de talentos no exterior traz o risco de acelerar a fuga de cérebros, exemplificada neste ano pela neurocirurgiã Suzana Herculano-Houzel. Trata-se, por certo, de uma decisão pessoal. Por isso, espero que o Brasil lhe receba bem, Tábata. E sinta-se livre para ganhar o mundo, Arthur.


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