Folha de S. Paulo


Os nossos chineses

Ocorreu dias atrás, na terra de Gilberto Freyre: a sino-brasileira Meilyn Cheng foi escolhida representante de Pernambuco no "Meninas Fantásticas 2010", da Globo. A notícia mereceu comentários elogiosos na internet, mas houve uma reclamação sobre a origem de Meilyn. Afinal, ela nasceu no Ceará.

Dá só para especular o que diria Freyre sobre Meilyn. Desconfio que não lhe surpreenderia: "Casa-Grande & Senzala", embora centrado no tripé branco-negro-índio, fala também da influência de árabes e judeus no Brasil.

Depois dos nipo-brasileiros, é a vez de os sino-brasileiros sacudirem esse tripé. Com a exceção de um pequeno grupo no século 19, a comunidade, de até 400 mil pessoas, é nova e pouco visível. Mas vem ganhando importância, fruto do crescente peso da China no Brasil, que há um ano tem no gigante asiático seu principal parceiro comercial.

Como em qualquer comunidade imigrante, o tratamento no país de destino está ligado ao que ocorre na terra de origem. Os nipo-brasileiros sofreram quando o Brasil se uniu aos aliados na Segunda Guerra. Mas a imagem melhorou muito com a ascensão econômica do país no anos 1980, como demonstra o historiador Jeffrey Lesser. Quem não se lembra do slogan da Semp Toshiba: "Os nossos japoneses são mais criativos que os japoneses dos outros"?

No caso dos sino-brasileiros, a comunidade está deixando as pastelarias e se transformando na grande ponte entre os dois países. E desafia a noção, expressada em artigo recente de Rubens Ricupero, de que, com a China, o Brasil pela primeira vez estabeleceu uma relação comercial dissociada de fortes vínculos culturais.

Dezenas de profissionais qualificados sugerem o contrário: boa parte do comércio bilateral, que deve fechar 2010 em cerca de US$ 40 bilhões, passa pelas mãos de gente como o presidente da Embraer China, Guang Dong Yuan, do gerente da Marcopolo China, Wang Chong, do representante da BM&F em Xangai, Guey Chien, do chefe do escritório da Apex, Cesar Yu, e tantos outros sino-brasileiros.

No plano pessoal, a experiência é mais lenta e dolorosa. Carioca e flamenguista, Hsia Min Wi reclama que é sempre chamada de japonesa e que a nacionalidade brasileira ainda gera estranheza. "Todos passamos por uma crise de identidade", diz. Filha de lojistas do Saara, é formada pela Uerj e trabalha em Xangai na representação de Mato Grosso do Sul no país.

Na China, os sino-brasileiros também são vistos como ave rara. O adido agrícola da embaixada, Esequiel Liuson, já foi confundido com coreano por causa do sotaque e ouviu de um pequinês: "Não sabia que os brasileiros são chineses e falam mandarim". A maioria de nós também não.

FABIANO MAISONNAVE é correspondente em Pequim.


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