Folha de S. Paulo


Fiesta no PCC

O PCC NÃO deve caber em si de tantas boas notícias.

Principal comprador da cocaína boliviana, terá o seu negócio bem mais facilitado depois que Evo Morales expulsou a DEA do país.

Em menos de um ano, receberá uma estrada novinha em folha que pavimenta a sua mais importante rota do pó, entre Santa Cruz e Corumbá (MS). Mas a cereja do bolo é que, a partir de agora, o Brasil será o principal parceiro da Bolívia no combate às drogas.

Já faz bastante tempo que o narcotráfico boliviano deixou de ser uma grande preocupação americana e deveria ser uma prioridade brasileira. Nos últimos anos, cerca de 1% da cocaína produzida ali chega ao mercado americano. Por outro lado, dados oficiais indicam que ao menos 65% da crescente produção boliviana (5% em 2007) é comercializada nas ruas brasileiras, principalmente em São Paulo.

Com a saída da DEA, na Bolívia desde 1975, Morales corre o risco de perder toda a ajuda americana.

Isso representa US$ 28 milhões anuais para financiar ações policiais (90% do orçamento total), dez helicópteros, cerca de 260 funcionários e financiamento de cultivos alternativos. Sem contar a experiência de ter participado da redução mais bem-sucedida na América do Sul: principal produtora de cocaína nos anos 1980, a Bolívia agora ocupa hoje o terceiro lugar, atrás da Colômbia e do Peru.

A saída da DEA da Bolívia, onde mantém 35 funcionários, também implicará o fechamento de seu escritório regional para o Cone Sul.

Para cobrir o iminente vazio, o Brasil dispõe de apenas um -um!- funcionário, o adido da Polícia Federal na embaixada em La Paz. Que só se instalou por lá neste ano. E o país dá zero de ajuda financeira.

A falta de preocupação do Brasil ganhou contornos surreais na semana passada, na visita a Brasília do ministro de Governo, Alfredo Rada, ao colega Tarso Genro (Justiça). Toda a iniciativa veio do lado boliviano. O ministro brasileiro e seus assessores engoliram a lengalenga de que coca não é cocaína (o mesmo que dizer que laranja não é suco de laranja) e se limitaram a ouvir e aceitar as propostas de revisar os inócuos acordos bilaterais e ampliar a cooperação policial.

Genro poderia ter questionado, no mínimo, por que Morales -que acumula os cargos de presidente da República e do sindicato dos cocaleiros- decidiu aumentar a área legal de coca de 12 mil para 20 mil hectares, embora 6 mil hectares bastem para o uso tradicional.

Tanta inércia condiz com a estratégia maior da diplomacia lulista de evitar brigas com o vizinhos e assim despontar como "big player" mundial. Mesmo que isso traga o risco de transformar o Brasil num cenário de guerra parecido ao que ocorre hoje no México. Que o diga Botucatu, onde uma quadrilha acaba de explodir uma delegacia para roubar cocaína "made in Bolívia".

FABIANO MAISONNAVE, é correspondente em Caracas.


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