Folha de S. Paulo


Uma história institucional

EM MEADOS de 2005, Juan David Gómez Tapiero, de um ano, foi internado num hospital público de San Jose del Guaviare, cidade colombiana de cerca de 45 mil habitantes localizada numa região pobre do país com forte presença das Farc.

Os sinais de abandono fizeram o hospital acionar a Defensoria do Povo, que obteve em poucas horas uma decisão judicial retirando a guarda do suposto tio-avô para dar ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF). Por causa da saúde debilitada, a criança foi transferida para Bogotá.

Há pouco, o governo colombiano identificou a criança como sendo Emmanuel, filho da recém-liberada Clara Rojas, nascido quando ela estava em cativeiro. Hoje, ainda sob a tutela estatal, é tido como um menino alegre e saudável.

Como teria sido a história de Emmanuel caso tivesse chegado ao hospital público de Abaetetuba (PA), onde uma adolescente de 15 anos, sob a tutela do Estado, foi encarcerada com 30 homens?

Para quem acha a comparação pontual, façamos outra: desde o ano passado, 16 congressistas, todos da base do presidente Álvaro Uribe, foram presos por envolvimento com grupos paramilitares. No escândalo do mensalão, ocorrido um ano antes, as punições engatinham e nunca chegarão à severidade colombiana.

Não é de hoje que a Colômbia apresenta este paradoxo de ter instituições estáveis convivendo com um conflito armado de mais de quatro décadas e a infiltração da bilionária indústria do narcotráfico.
Mas a boa notícia é que o Estado vem tendo avanços sólidos em várias frentes, como segurança pública e de Justiça.

É compreensível, portanto, a indignação com que o governo colombiano reagiu ao circo internacional montado por Chávez no fim do ano passado, com apoio brasileiro. Ao pedir um cessar-fogo para que a missão de resgate dos reféns das Farc fosse realizada, os observadores internacionais ignoraram a afirmação de Uribe de que o provável motivo do atraso era porque Emmanuel já não estava com a guerrilha. O tempo, como se sabe, deu razão ao governo colombiano.

O outro lado dessa história é o empenho de Chávez em imiscuir-se no confronto colombiano. Com instituições fracas, a Venezuela tem a inflação mais alta da América Latina, ultrapassou a Colômbia em seqüestros e é considerado o país mais corrupto da região pela Transparência Internacional.

Mais do que temer uma "aliança do mal" com a guerrilha colombiana, o que tem provocado a crítica em muitos venezuelanos, mesmo em sua base, é que Chávez, com imensos problemas internos, gasta tanto tempo e energia com a questão colombiana, cujo governo, aliás, já dispensou seus serviços.

FABIANO MAISONNAVE é correspondente em Caracas.


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