Folha de S. Paulo


Aprender inglês será desnecessário no futuro?

Jeff Baenen/Associated Press
Tony Danna, left, vice president of international development at Three Square Market in River Falls, Wis., receives a microchip in his left hand at company headquarters Tuesday, Aug. 1, 2017. The company is making microchips available to its employees, allowing them to open doors, log onto their computers or buy breakroom snacks by simply waving their hand. (AP Photos/Jeff Baenen) ORG XMIT: RPJB102
Executivo da Three Square Market tem microchip instalado; dispositivo abre portas e acessa computador

Meu marido, que adora um debate polêmico, outro dia me instigou a pensar no seguinte: será que o investimento que fazemos hoje em curso de inglês para nossos filhos terá o mesmo retorno que teve no passado?

É provável que antes do que possamos imaginar, disse ele, a inteligência artificial permita a tradução simultânea de qualquer conversa, filme, palestra, ou a codificação da nossa própria fala para outro idioma.

Não era uma sugestão para tirarmos nossos meninos das aulas extras de inglês, mas uma provocação para me fazer pensar num tema pelo qual tenho me interessado —e já abordei aqui—, que é o futuro das crianças nesse mundo de rápida transformação tecnológica.

Fiquei até arrepiada só de imaginar a cena: meus filhos crescidos, andando por aí com um chip instalado na cabeça ou acompanhados por um robô.

Isso pode acontecer? Não faço a menor ideia. Com base no que tenho lido, não duvidaria.

Há poucos dias, o repórter Ricardo Senra, da BBC Brasil, fez uma entrevista com o presidente-executivo de uma empresa de tecnologia de Wisconsin, nos EUA, que está implantando chips que eliminam a necessidade de crachás e senhas em computadores nas mãos de funcionários.

Estudos listam a função de tradutor como uma das ocupações qualificadas que podem desaparecer.

Juntando essas duas informações, o chip instalado na cabeça ganha menos ares de ficção científica.

Mas será que a tecnologia será capaz de reproduzir a entonação e a emoção expressas na nossa fala em uma conversa traduzida?

É natural que esse tipo de questionamento cause desconforto entre pais, profissionais e empresários que não têm certeza sobre que tipo de qualificação será necessária num futuro incerto, cheio de possibilidades.

Pesquisas de inovação ocorrem de forma descentralizada pelo mundo. Ninguém sabe todas as tarefas que poderão ser substituídas por máquinas e que novas profissões estão por surgir.

Há, porém, pistas bem informadas sobre habilidades que serão úteis para navegar no mundo das nuvens, da automação e da inteligência artificial.

Prestar atenção ao que tem sido produzido nesse sentido pode ajudar a orientar investimentos domésticos, empresariais e públicos e a diminuir a ansiedade.

Um dos pontos que vêm sendo enfatizado por pesquisadores e empregadores é a importância das chamadas habilidades socioemocionais.

Robôs podem substituir humanos em tarefas especificas, mas não devem —pelo menos no futuro próximo— eliminar a interação entre as pessoas.

Pelo contrário. Com processos mais rápidos, a habilidade de se comunicar com prontidão, fluidez e clareza será cada vez mais exigida dos profissionais.

Outras habilidades socioemocionais que serão crescentemente demandadas são responsabilidade, concentração e capacidade de administrar o próprio tempo, me dizia na semana passada a economista Laura Ripani, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

"Todos precisarão ser, em alguma medida, empreendedores", afirmou ela.

Ela ilustrou a colocação com o seguinte exemplo: a expectativa é que o trabalho remoto, feito de casa, em contratos de "freelancer", aumente bastante. Profissionais nesse modelo de trabalho precisarão ter capacidade enorme de autogestão.

Outro ponto que tem sido muito enfatizado é o fato de que habilidades digitais serão exigidas cada vez mais. A tendência pode soar óbvia, mas o que está incluído nesse guarda-chuva?

Segundo artigo recente de Ripani e sua coautora Carmén Pagés, será esperado que os profissionais consigam administrar suas redes de contatos com uma "inclinação" para os negócios e a extrair informação relevante no vasto universo de dados disponíveis na internet.

Conhecimentos de programação também tenderão a ser valorizados.

E, em terceiro lugar, embora de forma alguma menos importante: é muito provável que as pessoas precisem adquirir novos conhecimentos ao longo de sua vida laboral com frequência muito maior do que no passado e no presente.

Se o avanço tecnológico se tornar disruptivo a ponto de eliminar constantemente postos de trabalho, é possível que esse processo de reciclagem profissional quase permanente tenha de ser feito também durante momentos de desemprego.

Com isso, governos serão pressionados a aumentar sua rede de proteção social com foco no treinamento de adultos e — dados os altos custos desse tipo de política— a firmar parcerias com o setor privado.

Esses pontos permanecem pouco debatidos no Brasil. Suspeito que isso se deva ao nosso relativo atraso tecnológico e à recessão severa dos últimos anos.

Se o crescimento, que desponta aos poucos, voltar de fato e conseguirmos ir eliminando o atraso brutal que acumulamos, a discussão sobre o futuro do emprego e das habilidades necessárias para ter uma ocupação tende a ganhar força por aqui também.


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