Folha de S. Paulo


Como desenvolver no seu filho habilidades que você não tem

Raquel Cunha - 10.set.2014/Folhapress
SAO PAULO - SP - 10.09.2014 - O casal Karoline Sirgado, 33, e Pedro Sirgado, 43, escolheram colocar os filhos, Manuela Sirgado, 5 e Eduardo Sirgado, 7, em uma escola bilingue alema. Para ajudar no aprendizado dos filhos, os pais , que tambem estudam alemao, optaram por comprar jogos educativos que ajudam a aprender o idioma. (Foto: Raquel Cunha/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO***
Pais e filhos brincam com jogo educativo em SP

Certa vez, uma reunião rotineira na escola sobre nosso filho nos incomodou.

A coordenadora pedagógica falou de como ele estava bem adaptado, de como se dava bem com os amigos, era carinhoso, solidário, curioso e sempre muito alegre.

Mas uma questão que merecia alguma atenção em relação a ele, disse sem tom alarmante, era certa dispersão e dificuldade para se organizar.

Pedimos exemplos. Ela explicou que ele se esquecia com frequência de pequenos combinados —como tirar a lancheira da mochila ao chegar e guardar brinquedos após utilizá-los— e que não conseguia dispor suas comidinhas de forma ordenada sobre a mesa na hora de comer.

Explicamos que éramos desorganizados (principalmente eu, para ser mais honesta) e que ele provavelmente tinha herdado isso —por genética, observação ou uma combinação de ambos.

Ela perguntou educadamente se a desorganização nos atrapalhava. Respondi que era ruim, sim —às vezes, muito—, e também vinha batalhando para melhorar, mas tanto meu marido como eu apontamos que o achávamos muito pequeno para ser alvo desse tipo de preocupação.

Ela finalizou dizendo que, com certeza, não era nada sério, mas que, quanto mais cedo ele percebesse os benefícios da organização, maiores seriam as chances de que ele desenvolvesse bem essa habilidade.

Saímos de lá achando aquilo um tanto exagerado. Ele tinha quatro, cinco anos. Naquele momento, achávamos que o mais importante era que fosse feliz, aprendesse a socializar e a respeitar os outros.

Continuo sem saber o quanto —e se— era uma questão precoce. Mas, hoje, não tenho dúvidas de que é algo importante para ter em conta na infância, sim.

Essa convicção veio de algumas experiências posteriores ao episódio.

Acabei desenvolvendo um grande interesse por pesquisas que mostram o enorme impacto de habilidades desse tipo na vida de crianças e adultos (alunos com maior autogestão tendem a ter melhor desempenho acadêmico, principalmente em matemática, para ficar em um exemplo).

Como mãe, passei a notar como a dificuldade de ter foco, em certos momentos, prejudica a criança. A rotina —desde que não sufoque e deixe espaço para a brincadeira livre— gera segurança e acalma. Não conseguir realizar uma tarefa com concentração e certa ordem, por outro lado, causa frustração e alimenta a ansiedade.

Além disso, como adulta com responsabilidades e tarefas que só aumentavam, a dificuldade de organização começou a me cobrar uma fatura cada vez mais pesada.

Eu achava que o caos era parte do meu processo criativo, e sempre conseguia cumprir bem minhas tarefas, ainda que isso implicasse virar umas madrugadas aqui e ali.

Com os filhos, tudo mudou por razões que são inúmeras e provavelmente óbvias, e o custo desse modo de operação foi ficando elevadíssimo.

Depois de tentar várias estratégias e algumas surtirem efeito, sinto que melhorei. Mas criar hábitos novos na vida adulta é um exercício diário que requer muito esforço e consome muita energia.

Por tudo isso, passei a desejar que meus filhos desenvolvam essa capacidade cedo.

Felicidade —esse sentimento difícil de explicar, mas fácil de reconhecer— é importante, claro. Mas, como me disse uma amiga outro dia, tem criança que acaba ficando tonta em busca da felicidade.

Claro que desejamos que nossos filhos sejam felizes. Mas o que isso significa? Conseguir fazer escolhas e traçar objetivos? Se for isso, eles precisam de instrumentos para persegui-los, o que passa por controlar impulsos e cumprir responsabilidades. É difícil ser feliz sem ser funcional.

Ajudar seus filhos a desenvolver habilidades que em você são escassas é um desafio e tanto. Como me falou há uns meses o psicólogo Ricardo Primi, especializado em habilidades socioemocionais, não há uma receita pronta e fácil para isso.

Pode-se tentar trilhar o caminho com eles e mudar também —servindo de modelo— ou criar o contexto e tentar fornecer mecanismos para que eles as desenvolvam sozinhos, disse-me Primi, que é professor da Universidade São Francisco e pesquisador do eduLab21, centro de inovação para a educação do Instituto Ayrton Senna.

Um primeiro passo é se dar conta de que todos podem começar a adquirir certas características desde pequenos. Claro que algumas crianças continuarão mais criativas, outras serão mais numéricas, mas uma boa dose de empatia, persistência, organização e curiosidade será útil para todas elas.


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