Folha de S. Paulo


Profissional com ensino técnico pode se tornar obsoleto

Lalo de Almeida - 30.nov.2012/Folhapress
Indaiatuba, SP, Brasil. 30/11/2012. Alunos de curso tecnico da FIEC ( Fundacao Indaiatubana de Educacao e Cultura ) trabalham com torno durante aula no laboratorio de mecanica. A cidade ficou em primeiro lugar no indice Firjan de 2010 divulgado esta semana. ( Foto: Lalo de Almeida /Folhapress, MERCADO ) ***ESPECIAL FOLHA***
Alunos de curso técnico em Indaiatuba (SP)

Muitos estudos têm mostrado que cursos técnicos, em média, produzem um impacto positivo no início da carreira dos jovens que os concluíram.

Normalmente, eles aumentam tanto os salários quanto a empregabilidade desses profissionais em comparação aos resultados conseguidos por quem tem uma formação básica geral.

Essas evidências ajudam a explicar por que países como o Brasil têm buscado aumentar a oferta desse tipo de especialização.

Mas há uma questão menos investigada que começa a ser debatida, principalmente em países desenvolvidos, que é o risco de que o profissional com diploma técnico se torne obsoleto em meio às rápidas mudanças tecnológicas pelas quais passa o mercado de trabalho, que foram tema da coluna da semana passada.

Isso não significa que esse tipo de ensino deva ser abandonado, mas que as nuances e as tendências do universo laboral merecem enorme atenção dos formuladores de políticas públicas.

No caso do Brasil, há evidências contundentes da relação positiva entre a formação técnica e a inserção inicial no mercado de trabalho.

Uma tese de doutorado recente feita por Roberta Loboda Biondi Nastari, pela FGV-EESP, com orientação do economista Sergio Firpo, do Insper, chega a conclusões interessantes nessa direção.

O trabalho extrai e cruza números de diferentes bases de dados educacionais e laborais do país.

Os resultados indicam que, de forma geral, o ensino técnico tem impacto positivo sobre remuneração, chance de estar empregado e probabilidade de ser contratado no mercado formal.

A tese mostra que os concluintes do ensino médio com formação técnica que participaram do Enem entre 2004 e 2006, não terminaram faculdade posteriormente e estavam trabalhando com carteira assinada entre 2009 e 2012, ganhavam, em média, 12,7% a mais do que seus pares que não possuíam especialização profissionalizante.

A análise "desconta" dos resultados os possíveis efeitos de características pessoais —como capacidade cognitiva e origem socioeconômica— que poderiam ser a principal explicação para salários mais altos de uns em relação a outros.

Outras pesquisas anteriores já tinham oferecido indicações de que o ensino técnico é vantajoso, pelo menos no início da carreira.

Por isso parece fazer sentido que a reforma do ensino médio apresente os cursos profissionalizantes como uma opção de especialização dentro do currículo básico.

No formato existente hoje, os alunos brasileiros que buscam esse caminho são obrigados a cumprir todo o extenso conteúdo do ensino médio tradicional e fazer o curso vocacional separadamente.

A nova legislação enxuga as disciplinas do currículo básico, que será equivalente a 60% da formação. Os restantes 40% equivalerão a rotas de especialização que cada aluno poderá escolher.

As cinco opções serão: ensino técnico, humanas, ciências da natureza, matemática e linguagem.

A grande preocupação que apareceu no debate sobre o assunto até agora é se as redes menores de ensino terão como apresentar um cardápio decente de escolhas. É uma questão relevante, principalmente em relação ao ensino profissionalizante que é mais custoso.

Mas existem muitos outros temas relacionados ao assunto que também merecem atenção.

O trabalho de Nastari e Firpo mostra, por exemplo, que, embora, em média, profissionais com ensino profissionalizante sejam beneficiados por essa escolha, há casos em que o resultado do diploma técnico sobre salários parece ser nulo ou negativo.

Tudo depende da demanda do mercado de trabalho por cada ocupação, o que —no caso do Brasil— varia conforme a região do país.

No Norte e no Nordeste, a carência maior, no período analisado, parecia ser por técnicos em mineração, petroquímica e segurança do trabalho.

No Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste, havia mais procura por técnicos em transportes, em construção civil e operadores de equipamentos médicos e odontológicos.

Portanto, a primeira tarefa da política pública antes de desenhar a oferta de cursos técnicos é levar em conta a demanda local. Mas um retrato do presente não basta pois há fatores que podem alterá-lo substancialmente.

Um deles, o conjuntural —como a recessão brasileira que derrubou a demanda por muitas ocupações em ascensão, como construção civil—, é mais difícil de ser previsto.

Outro, o estrutural, pode e deve ser investigado.

Uma pesquisa feita pelo economista Eric Hanushek e coautores, com base em dados de países desenvolvidos, mostrou que trabalhadores com formação geral têm piores resultados do que aqueles com diploma técnico no início da carreira, mas que esse cenário se inverte com a passagem dos anos.

Os estudiosos ressaltaram que as conclusões se referem à média dos resultados e variam entre diferentes carreiras.

Uma possível política pública e empresarial para proteger os profissionais mais velhos do risco de se tornar obsoletos é oferecer cursos de atualização, especialização ou até reorientação de carreira.

Países como Dinamarca e Reino Unido em parcerias com empresas e sindicatos têm iniciativas nesse sentido.

Em Cingapura, o governo lançou um programa de treinamento da mão de obra para o futuro, pelo qual as empresas falam publicamente sobre mudanças que preveem nas habilidades que demandarão.

Os trabalhadores com mais de 25 anos recebem recursos para investir em complementar sua formação de acordo com esses sinais.

No Brasil, com o envelhecimento populacional e uma inevitável reforma da Previdência que aumentará a vida laboral das pessoas, medidas nesse sentido serão inevitáveis. E o ideal seria começar a considerá-las o quanto antes.


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