Folha de S. Paulo


Quando os pais 'abandonam' os filhos

Keiny Andrade/Folhapress
Movimentação de pais e funcionários na entrada da Escola da Vila, na zona oeste de São Paulo
Alunos chegam a escola em SP; contato de pais com profissionais de educação melhora aprendizado

Escrevi na semana passada neste espaço sobre as vezes em que atitudes de profissionais da educação minam a confiança e a autoestima de alunos.

Alguns leitores —aos quais muito agradeço— comentaram sobre o impacto que experiências assim tiveram em suas vidas:

"Um dia a professora me disse que a escola não era pra mim, que eu não ia dar em nada. Saí da escola e fiquei dez anos sem estudar, acreditando que eu não tinha capacidade de aprender", escreveu o fotojornalista Luiz Roberto Lima.

É impressionante como acontecimentos às vezes de duração curta —uma fala, uma reunião— podem ter um efeito devastador e duradouro.

Essas histórias comprovam a enorme responsabilidade da escola. Deveriam servir de alerta constante sobre a necessidade de um treinamento rigoroso e cuidadoso para os profissionais da área, realidade que parece distante do Brasil.

Mas queria aproveitar o gancho para falar de outro tipo de atitude que pode ter um custo alto para crianças e adolescentes, embora passe mais facilmente despercebida: o abandono da vida escolar dos filhos por parte dos pais.

Normalmente não são episódios marcantes, que envolvam palavras duras e deixem traumas.

Na maioria das vezes, trata-se de um processo pelo qual o envolvimento dos pais vai caindo gradualmente, ao longo dos anos, conforme os filhos crescem, segundo profissionais da educação e pesquisadores.

Uma diretora de escola me disse há pouco tempo que há pais que atendem prontamente a pedidos de reuniões individuais para falar sobre questões relacionadas aos filhos. Outros demoram semanas para conseguir tempo em suas agendas. Alguns alegam falta de disponibilidade e preferem dialogar rapidamente pelo telefone. O problema, segundo ela, aumenta conforme a idade da criança vai avançando.

Um economista me contou uma história parecida. Ele tenta acompanhar um mesmo grupo de alunos ao longo da vida escolar para fins de sua pesquisa educacional. Parte do trabalho envolve ir coletando a percepção dos pais sobre seus filhos. Mas, segundo ele, conforme o tempo passa, vai ficando mais difícil obter respostas aos questionários.

Dados sobre o tema corroboram essas evidências anedóticas.

Segundo a Child Trends, ONG norte-americana que pesquisa temas relacionados à infância e à adolescência, em 2012, 89% das crianças matriculadas desde creches até os anos iniciais do ensino fundamental nos EUA tiveram a participação de um dos pais em alguma reunião agendada com professores. Nos anos finais do fundamental, esse percentual caiu para 71%. E, no ensino médio, chegou a 57%.

Um número crescente de pesquisas tem revelado que a primeira infância é uma fase crucial para o desenvolvimento cerebral. O impacto de ações que garantam que as crianças se sintam amadas, sejam estimuladas e recebam alimentação e cuidados adequados nessa etapa é, sem dúvida, enorme. Isso envolve a participação dos pais na vida escolar.

É um engano, no entanto, achar que, com o tempo, a necessidade de atenção dos filhos diminui, embora a natureza dos cuidados demandados mude.

Claro que adolescentes e jovens são —e desejam ser— mais independentes que crianças pequenas. Talvez não gostem de ver seus pais esperando para falar com os professores no fim da aula.

Mas daí ao total distanciamento dos pais da escola há uma diferença de abordagem enorme.

Pesquisas mostram que o contato entre os pais e os profissionais responsáveis pela educação de seus filhos tem impacto positivo sobre a aprendizagem mesmo na adolescência.

Outras atividades simples que podem ser feitas em casa —como discutir assuntos da atualidade e conversar sobre a vida escolar— também têm efeito significativo no desempenho dos jovens.

Um achado interessante é que adolescentes cujos pais os ajudam em lições de casa, normalmente, têm notas menores do que os demais.

Mas a OCDE —organização muito ativa em pesquisa educacional— alerta para o fato de que isso não significa que esse apoio seja indesejável. Ele pode simplesmente refletir o fato de que esses jovens são os que têm encontrado mesmo mais dificuldade na escola. Sem o apoio extra da família, alerta a instituição, esses alunos poderiam ter resultados ainda piores.

É importante falar com os pais sobre esses temas porque muitos dizem se afastar da vida escolar dos filhos, simplesmente, porque se sentem incapazes de contribuir ou porque desconhecem os benefícios de seu envolvimento.

Como diz a própria OCDE em uma análise curta sobre o tema, "não é necessário um pH.D. ou horas ilimitadas para que os pais possam fazer a diferença" [na vida dos filhos]. O mesmo texto conclui: "estudantes nunca estão velhos demais para se beneficiar do interesse de seus pais por eles".


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