Folha de S. Paulo


O desafio de educar em tempos de terror

3.jun.2017/Reprodução
In this Saturday, June 3, 2017, image made from a video, people run from the scene an attack in London. The Borough neighborhood in London offered safety and a place to sleep for hundreds of people amid the chaos of Saturday night's attack in the heart of the city. (Sky news via AP) ORG XMIT: NYJK102
Pessoas correm em Londres, após ação terrorista

Há pouco mais de duas décadas, fui morar em Londres por seis meses. Tinha 21 anos. Queria aprender inglês, ter uma experiência de viver em outro país, conhecer uma nova cultura.

Das boas lembranças que tenho desse período, uma das mais marcantes era a sensação de voltar para casa a qualquer hora do dia sem medo de violência.

Era um contraste com o que sentia nas ruas do Rio de Janeiro, cidade onde cursava a universidade.

Quando me mudei do interior do Estado para a capital fluminense, lembro das orientações que recebi: andar sempre alerta, não resistir a ceder objetos pedidos por ladrões, ter algum dinheiro trocado no bolso para entregar se necessário.

Nada disso fazia parte do manual de sobrevivência na tranquilidade de Londres. Lembro da minha mãe dizendo que, apesar das saudades, dormia mais sossegada comigo por lá.

Depois disso, ao longo dos últimos 20 anos, morei no Reino Unido outras duas vezes.

Nesse período, o mundo mudou e a faceta mais assustadora dessa transformação é o terrorismo.

Trabalhava para a Folha em Londres quando ocorreram os chocantes atentados a bomba no metrô londrino, em 2005.

Logo depois do ataque, me impressionou a atitude londrina de "bola pra frente" que o grande Clóvis Rossi descreveu muito bem na reportagem que tive a honra de dividir com ele naquele dia.

Nas palavras de Rossi, "entre a paranoia que esse tipo de sinal [o de que ninguém está seguro] pode causar e a fleuma de ancestral genética, venceu ontem a fleuma".

Era uma alusão ao espírito de resistência que os britânicos já tinham demonstrado aos ataques da aviação nazista, durante a Segunda Guerra (1939-45), e no qual passei a tentar me inspirar.

Esses ensaios de coragem têm esbarrado, no entanto, num grande pavor cada vez que a notícia de um novo atentado, em algum canto do mundo, pisca nos serviços de notícias.

Não penso mais em mim, mas nos meus filhos. E se eles, como eu, quiserem se aventurar por outros países? Será que, como minha mãe, dormirei mais tranquila se trocarem São Paulo, onde vivemos hoje, por Londres?

Se conseguisse mobilizar apenas a parte do meu cérebro que registra estatísticas, a resposta seria um contundente sim.

Segundo dados divulgados nesta semana pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada três semanas de 2015, o total de assassinatos no Brasil superava o número de mortos de todos os atentados terroristas reportados pelo mundo nos primeiros cinco meses deste ano.

Mas a brutalidade do terror —que não deixa brecha nem para a possibilidade da troca de dinheiro pela própria vida— dificulta a racionalidade.

A sensação de que nada podemos fazer em relação à violência nas grandes cidades brasileiras ou ao terrorismo pelo mundo afora é igualmente grande.

Mas talvez não sejamos assim tão impotentes e nem devamos simplesmente tocar a bola pra frente.

Educar as crianças para entender as causas do terror e de todos os tipos de violência pode ser um começo no caminho para enfrentá-los.

Almejar que a educação que recebem —de nós próprios em casa e na escola —vá além dos conhecimentos necessários para entrar numa boa faculdade é outro passo cada vez mais necessário.

Os problemas que o mundo enfrenta parecem muito relacionados à falta de entendimento entre as pessoas.

Que a escola e as famílias abracem, portanto, uma educação mais ampla, que ensine rotineiramente valores como tolerância, respeito, solidariedade e capacidade de entender o ponto de vista do outro ainda que pensemos de outra maneira.

Seria a aposta num futuro de mais igualdade de oportunidades e menos ódio para nossos filhos.


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