Folha de S. Paulo


Tentativa de suicídio na USP reforça importância de nova educação

Divulgação
Painel pintado por alunos do 4º ano de medicina da USP no subsolo da faculdade
Painel pintado por alunos do 4º ano de medicina da USP no subsolo da faculdade

Na segunda-feira da semana passada, fui assistir a uma aula de primeiro período do curso de engenharia do Insper, faculdade privada em São Paulo.

Estava preparando uma reportagem sobre como algumas instituições de ensino superior no Brasil têm inserido as habilidades socioemocionais —que são aspectos da personalidade como persistência e capacidade de se relacionar com os outros— em seus currículos. Queria compreender melhor como isso vem sendo tentado na prática.

Dois fatos me chamaram a atenção nessa visita.

A aula a que assisti era uma espécie de balanço que os alunos deveriam fazer da disciplina chamada "Natureza do design" até aquele momento.

Achei interessante que um dos comentários formulados por mais de um jovem se referia ao que eles julgavam ter sido um excesso de liberdade para lidar com equipamentos de um laboratório.

Não que tivessem achado aquilo ruim, pelo contrário, mas sentiram dificuldade em lidar com a autonomia porque, nas palavras de um deles, tinham acabado de sair do modelo de ensino bastante tutelado da educação básica.

O segundo fato foi algo que me disseram os professores da disciplina. Segundo eles, a instituição faz ajustes no curso quando conclui que isso poderá levar a aprimoramentos —aliás, a "aula balanço" a que assisti é parte desse espírito.

E um dos pontos que os professores disseram que estão considerando mudar é o critério para a formação de grupos de trabalho.

Atualmente, essa montagem é feita pelos próprios alunos. Mas os docentes e os coordenadores notam que a tendência é que jovens com características muito parecidas se juntem, o que nem sempre é positivo.

Se um grupo é formado por alunos muito extrovertidos e comunicativos, eles podem monopolizar o tempo dos professores e monitores, o que implica menos atenção aos mais tímidos.

Além disso, segundo especialistas, conviver com a diversidade é bom, pois ajuda no desenvolvimento de habilidades que não sejam o forte de alguém e de um olhar mais compreensivo em relação ao outro.

Saí de lá pensando nisso tudo e eis que, dois dias depois, li a excelente e chocante reportagem da jornalista Cláudia Collucci nesta Folha sobre o número preocupante de tentativas recentes de suicídio por alunos de medicina da USP.

Entre as possíveis causas desses eventos tristes citadas pelos próprios estudantes, ouvidos em condição de anonimato, estava justamente a formação de grupos que, no caso da medicina da USP, também é prerrogativa dos alunos.

"Alunos malvistos ou que não são bem relacionados, por inúmeros motivos, acabam sobrando e formando a famigerada 'panela lixo' ou são excluídos e têm que mendigar uma vaga entre os grupinhos já formados", disse um(a) estudante à jornalista.

Embora a frase cause arrepios, como a própria reportagem expõe muito bem e especialistas repetem à exaustão, tentativas de suicídio são fatos complexos, normalmente ocasionados por vários fatores e, por isso, merecem ser tratadas com muita cautela.

Claro, que a exclusão causada pela formação de panelas não é novidade nem exclusividade de nenhuma instituição de ensino, seja na educação básica ou nas universidades.

O Teste Do Marshmallow
Walter Mischel
l
Comprar

O que tem mudado é a percepção de que algo pode ser feito para ajudar os alunos a lidar com essas e outras dificuldades, após algumas décadas de pesquisas que mostram que, devido à plasticidade do nosso cérebro, somos capazes de mudar hábitos e traços da nossa personalidade, mesmo na vida adulta.

Como diz o psicólogo e pesquisador Walter Mischel no excelente livro "O Teste do Marshmallow", "o que somos é consequência de uma dança perfeitamente entrelaçada de genética e contexto".

Educação é contexto e deve evoluir constantemente. Eventos drásticos, como as tentativas de suicídio dos alunos da USP, infelizmente ajudam a reforçar a necessidade dessas mudanças.


Endereço da página:

Links no texto: