Folha de S. Paulo


Dificuldade em fazer contas diminui a persistência, e vice-versa

Apu Gomes - 19.ago.11/Folhapress
SO PAULO, SP, BRASIL, 19-08-2011, 07h00: GOVERNO LOTA SALAS DE AULAS. Alunos do 1 ano do ensino medio em aula de Matematica na Escola Estadual Professor Wolny Carvalho Ramos, na Vila Regente Feijo, zona leste de Sao Paulo, escola considerada modelo pelo governo do Estado, com uma media de 35 alunos por sala de aula. Escolas Estaduais de Sao Paulo possuem mais alunos em sala de aula que o recomendado MEC. (Foto: Apu Gomes/Folhapress, Cotidiano ) *** EXCLUSIVO*
Alunos do 1º ano do ensino médio em aula de matemática em SP

Os brasileiros não sabem fazer contas porque são pouco persistentes, e são pouco persistentes porque não sabem fazer contas.

Quem nasceu primeiro? Difícil saber com precisão. Mas provavelmente os dois problemas começam juntos e vão se reforçando, negativamente, ao longo da vida.

Um relatório recente do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) traz pistas interessantes e bem fundamentadas sobre isso.

O estudo "Más habilidades para el trabajo y la vida" talvez seja a primeira tentativa de analisar as características dos indivíduos e seus impactos em diversos aspectos de suas vidas em um grupo grande de países latino-americanos ao mesmo tempo.

O interesse por esse assunto tem crescido à medida que aumentam as evidências de que o sucesso individual não se explica apenas pela inteligência.

O psicólogo Walter Mischel já demonstrou que crianças capazes de resistir à tentação de comer um doce imediatamente para, minutos depois, receberem dois se dão muito melhor na vida anos mais tarde. A característica que os pequenos mais resistentes demonstram é o autocontrole.

Esse e outros traços da personalidade —como a rapidez com que nos recuperamos de problemas e a abertura a novas experiências— têm sido chamados de habilidades socioemocionais.

Elas parecem complementar os aspectos cognitivos, mais associados à capacidade de processar informações, identificar padrões, fazer contas e compreender a linguagem.

A pesquisa do CAF dá um passo importante na direção de confirmar esses indícios.

O estudo identificou que, entre as características analisadas, a capacidade de fazer cálculos é a que apresenta maior correlação positiva com a renda na América Latina.

Mas descobriu também que a persistência é a habilidade com maior impacto sobre a probabilidade de que uma pessoa esteja empregada.

A América Latina e o Brasil vão muito mal tanto nos aspectos cognitivos quanto nos socioemocionais.

A pesquisa mostra que até os indivíduos mais escolarizados da região encontram alguma dificuldade em calcular proporções simples.

Revela também que os jovens da região têm baixo nível de persistência quando comparados ao de nações como Finlândia, Coreia e Cingapura.

O Brasil é o país com o segundo pior desempenho nesse quesito entre os 13 analisados.

Um achado importante do CAF é que há uma correlação alta entre os níveis de diferentes habilidades. Ou seja, aqueles que têm facilidade em fazer contas também possuem a linguagem muito desenvolvida, são persistentes e extrovertidos.

E, quanto mais alto for o estoque inicial dessas características, mais forte é a probabilidade de que novos talentos sejam desenvolvidos.

A conclusão óbvia é que, como temos um deficit enorme no nosso estoque de habilidades, o esforço que precisamos empreender para diminuí-lo é gigante.

Segundo o CAF, o caminho para isso passa por melhorar os insumos e processos educacionais, mas também por orientar as famílias sobre como estimular suas crianças e por mais treinamento no mercado de trabalho.

Uma ponta de esperança vem da constatação de que nunca é tarde demais para tentar reverter o quadro negativo.


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