Folha de S. Paulo


Precisamos nos preocupar mais com os filhos... dos outros

Thiago Gomes/Ascom/Susipe/Fotos Públicas
No Pará, Unidade materno-infantil garante contato integral de mães detentas com seus filhos
Mães detentas em unidade materno-infantil no Pará

Há algumas semanas, eu passava uma manhã sozinha em casa com meus filhos: Dante, 7, Andrés, 4, e Benjamin, 1. Os três —especialmente o caçula— estavam inspirados.

Já tinham derrubado uma caixa inteira de cereal, sujado o sofá com doce de leite, virado o pote de água do nosso cachorrinho, tirado quase todos os DVDs de suas devidas caixas, e por aí vai.

Cansada de tentar solucionar a situação com pedidos e broncas, falei (num tom de voz provavelmente alterado):

"Benjamin, chega. Você vai agora para o cantinho da vergonha! E, se vocês dois não pararem, também vão".

Antes mesmo de terminar de proferir a sentença, o depositei num bercinho de camping, montado na sala para emergências. E enquanto começava a pensar no constrangimento que seria —para mim— se a sociedade soubesse que eu estava colocando meu bebê de menos de um ano e meio de castigo, ouvi uma sonora gargalhada de Dante e Andrés.

"Cantinho da vergonha, mamãe? De onde você tirou isso?", perguntou o mais velho.

Pronto. Depois disso, o cantinho da vergonha (expressão que certamente não foi inventada por mim) virou uma piada aqui em casa. Mas também uma solução. Nenhum dos três quer ser temporariamente tirado de circulação.

Esse episódio tem me feito refletir sobre a repreensão mental que me impus por ter gritado e colocado um filho de castigo.

Será que a maternidade e a paternidade viraram uma camisa de forças?

Como muitas mães e pais que conheço, mergulhei fundo na criação dos meus filhos.

Tenho uma pilha de livros em casa sobre o tema. Acompanho ótimos blogs e colunas a respeito do assunto. Tenho conversas divertidas e intermináveis com meus amigos sobre crianças.

É, sem dúvida, maravilhoso que tanto conhecimento sobre a infância tenha sido produzido nas últimas décadas e que as redes sociais nos aproximem e permitam o compartilhamento de informações e experiências.

Mas será que não estamos nos tornando obsessivos a respeito dos nossos filhos?

A história do cantinho da vergonha me marcou provavelmente porque leio com frequência que essa é uma forma inadequada e ineficaz de tentar corrigir o comportamento infantil. Pode até funcionar, dizem, mas por pouco tempo. E as orientações vão além: se optar assim mesmo pelo castigo, a punição precisa ser proporcional ao tamanho da travessura.

Mas onde está o manual que ensina a fazer essa conversão?

Ele não existe, claro, porque a maternidade e a paternidade são aprendidos na prática, provavelmente errando mais do que acertando.

Nossos filhos podem ser afetados por nossos erros? Sim, mas acredito que, na maioria das vezes, apenas temporariamente. Eles vão crescer, aprender a argumentar conosco, e também a errar e a acertar.

Crianças criadas em ambientes familiares acolhedores —seja qual for sua configuração— têm grandes chances de se tornarem adultos funcionais e felizes.

O drama são as outras. As que não crescem em ambientes estruturados, estão fora da escola, sofrem discriminação, são vítimas de violência contínua e recebem tão pouco da nossa atenção.

Apenas 66,4% dos jovens pretos e 67,8% dos pardos conseguem terminar o ensino fundamental até os 16 anos no Brasil, contra 82,6% dos adolescentes brancos, segundo dados divulgados há pouco pelo movimento "Todos pela Educação".

Essa desigualdade tem custos econômicos e sociais enormes. Os pesquisadores Daniel Cerqueira e Rodrigo Moura mostraram, por exemplo, que para cada 1% a mais de jovens de 15 a 17 anos nas escolas, há uma queda de 2% na taxa de homicídio dos municípios.

Portanto, os ainda muitos brasileiros que não estão estudando têm mais chance de se envolver com violência.

É claro que vamos continuar pensando e falando sobre nossos filhos, mas deveríamos encontrar um espaço maior no debate público também para os filhos dos outros, especialmente as crianças mais vulneráveis.

Se não for por solidariedade, que seja por coerência de quem quer um país melhor —mais equânime, desenvolvido e menos violento— para sua cria.

Saio de férias por três semanas. Boas festas!


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