Folha de S. Paulo


Modelo de ensino médio levou alunos de uma escola pública a voar alto

Fernando Souza/Instituto Ayrton Senna
Alunos trabalham em time para resolver problema de Ciências Humanas
Alunos trabalham em time para resolver problema de Ciências Humanas

O ensino médio brasileiro fracassou. Essa é a leitura comum do pífio resultado que os estudantes de ensino médio brasileiros têm apresentado em testes de aprendizagem. E ela está correta.

Mas essa visão pode –e deve– ser relativizada pelos casos de sucesso escondidos atrás das médias gerais, que poderiam –e deveriam– servir como modelo para todo o país.

No Rio de Janeiro, uma pequena escola pública de ensino médio foi inaugurada no bairro do Andaraí, em 2013, fruto de uma parceria entre a Secretaria Estadual de Educação e o Instituto Ayrton Senna.

A proposta do Colégio Estadual Chico Anysio (CECA) é testar os resultados de pesquisas que têm mostrado que ajudar os alunos a reforçar características como perseverança e capacidade de trabalhar em grupo pode aumentar em muito sua aprendizagem.

Eu visitei o CECA em 2014 para uma reportagem sobre as chamadas habilidades socioemocionais.

Uma das preocupações da escola me pareceu ser aumentar o protagonismo dos alunos em seu processo de aprendizagem por meio do desenvolvimento de projetos e trabalhos em equipe. Saí de lá me perguntando se aquela metodologia de ensino realmente poderia funcionar.

Pois os alunos do CECA enfrentaram seus primeiros testes oficiais no ano passado com resultados que impressionam. O CECA ficou em terceiro lugar entre todas as escolas públicas do Estado do Rio no Enem.

Como havia uma seleção por prova para entrada no CECA, uma dúvida natural é: será que esse excelente resultado não se explica apenas porque esses alunos já eram de largada muito melhores?

Preocupada com esse tipo de questão, a equipe que idealizou o CECA acompanha todos os alunos que se candidataram à escola, tanto os aprovados quanto os reprovados. O objetivo é comparar a evolução dos dois grupos ao longo do tempo.

Essa avaliação tem sido conduzida por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.

O economista comparou as notas dos alunos do CECA no Saerj (avaliação que era aplicada pelo governo do Estado) às obtidas no mesmo exame pelos estudantes que não passaram na prova de entrada para a escola.

Mas, por meio de instrumentos estatísticos, descontou dos resultados dos dois grupos no Saerj as diferenças de desempenho que eles tinham quando entraram na escola, medidas pela prova de seleção que fizeram naquele momento.

Ensino que fez a diferença - Impacto do Ceca na nota dos alunos concluintes do ensino médio no Saerj*

Com isso, as notas do Saerj dos alunos que cursaram o ensino médio no CECA foram ajustadas para baixo e a dos que nao conseguiram entrar na escola puxadas para cima.

Mesmo depois desse ajuste, a diferença de resultados dos dois grupos no Saerj é surpreendente. Os alunos da escola tiraram 50 pontos a mais do que o outro grupo em matemática, e 23,7 pontos a mais em língua portuguesa.

Para aumentar sua segurança, Paes de Barros aplicou o mesmo ajuste às notas que os dois grupos tinham tirado no Saerj do final do ensino fundamental. Descobriu que as diferenças enormes de desempenho registradas agora desaparecem.

A conclusão é que o método de ensino do Chico Anysio fez seus alunos voarem alto.

Não se trata do único caso bem sucedido no país. O que falta então para a educação no Brasil dar certo?

Para Paes de Barros, falta comprovar, documentar e divulgar de forma contundente os resultados dos modelos que parecem estar funcionando.

"Nós temos a solução na nossa mão, mas não a documentamos, o que é absurdo".

Nesse sentido, a suspensão do Saerj neste ano por pressão do movimento estudantil é um enorme passo para trás.


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