Folha de S. Paulo


Quantos 'Brexits'?

A importância da decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia vai além de suas consequências negativas diretas.

O "Brexit" serve como alerta de que outros riscos que rondam a economia global, alguns tratados como possibilidades remotas, podem estourar a qualquer momento, quando menos se espera.

Esses perigos são conhecidos no mercado financeiro como eventos de cauda ou, usando termo criado pelo escritor e financista Nassim Taleb, cisnes negros. Tratam-se de eventos cuja ocorrência é de difícil previsão, mas de impacto grande, positivo ou negativo.

A lista de cisnes negros à espreita é longa e de consequências predominantemente ruins. Vai da possibilidade de vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana ao persistente risco de desaceleração brusca da economia chinesa, passando pela constante —e, aparentemente, crescente— ameaça de atentados terroristas.

E não se tratam de eventos excludentes. Pelo contrário. Um governo Trump ultranacionalista e hostil ao Oriente Médio fortaleceria, por exemplo, o apelo de recrutamento por grupos jihadistas. Ou seja, além das possíveis consequências negativas para o livre comércio, uma vitória do republicano também aumentaria o perigo do terrorismo.

O próprio "Brexit" ilustra bem como os riscos em um mundo altamente globalizado estão conectados e podem produzir efeitos em cascata.

A saída do Reino Unido da UE, por si só, é extremamente negativa. Por conta do resultado do referendo, a Economist Intelligence Unit reduziu sua projeção de crescimento da economia mundial de 2,3% e 2,6% em 2016 e 2017, respectivamente, para 2,2% e 2,4%.

O que parecem poucos décimos representa, diz a consultoria britânica, a remoção de país como Vietnã da economia nos próximos 18 meses.

Embora tudo indicasse que a votação do "Brexit" seria apertada, predominava a expectativa de que venceria o voto pela permanência na UE.

A decisão contrária às apostas de analistas e investidores pode ser considerada um cisne negro que fortalece probabilidade de que outros despontem nos próximos meses.

Países como a Grécia podem optar pelo mesmo caminho do Reino Unido. E, no pior dos cenários, a integração europeia iria totalmente para o buraco.

Perto ou longe do epicentro de possíveis eventos de cauda, as nações integradas à economia global tendem a sentir os efeitos, via redução de fluxos de comércio e investimentos.

O melhor que cada país pode fazer para amenizar as consequências negativas inevitáveis é manter suas próprias economias em ordem, sem desequilíbrios externos e fiscais. Trilha oposta à que o Brasil trilhou recentemente e que o governo interino tenta corrigir.

ÉRICA FRAGA é repórter especial


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