Folha de S. Paulo


Luislinda virou a marca do ridículo e do oportunismo do governo Temer

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 03.02.2017 - A ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, na cerimônia de sua posse no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). (Foto: Alan Marques/Folhapress)
A ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, na cerimônia de sua posse no Palácio do Planalto

Luislinda Valois deveria ter sido demitida do cargo de ministra dos Direitos Humanos em fevereiro, quando se soube que ela anexara a sua biografia o título de "embaixadora da paz da ONU" e o Palácio do Planalto engolira a lorota. O título não existe. Nessa linha, Dilma Rousseff, com seu doutorado da Unicamp, teria ido para casa anos antes.

A repórter Naira Trindade revelou que a senhora Valois requereu o direito de acumular sua aposentadoria de desembargadora com o salário de ministra, argumentando que sua situação "sem sombra de dúvida, se assemelha ao trabalho escravo".

Faturaria R$ 61,4 mil mensais.

A doutora deveria ter sido demitida mesmo antes de anunciar que desistira do pleito. Ela continuará ministra numa equipe onde já esteve Geddel Vieira Lima e estão Moreira Franco e Eliseu Padilha. Negra, mulher, tucana, Valois foi colocada lá porque é negra, mulher e tucana. Seu pleito ajudou a mostrar a empulhação que há nas nomeações de mulheres por serem mulheres e de negros por serem negros.

(O fato de ela ser tucana é irrelevante, pois não se sabe o que é isso.)

A doutora deveria ser demitida pela péssima qualidade de sua argumentação, mas ela tem direito a acumular a aposentadoria com o salário. Há hipocrisia na barulhenta condenação da ministra. O que ela queria é feio, mas é legal. Como desembargadora aposentada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, ela faz parte de uma casta intocada pela onda moralizante da Lava Jato.

As acumulações são legais, já os penduricalhos pecuniários que enfeitam as togas são constitucionalmente discutíveis. A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, nunca tomou providência para reprimir essa situação que condena em manifestações literárias. Em São Paulo, há casos de desembargadores que já receberam mais de R$ 100 mil mensais. Em março passado, de cada dez magistrados paulistas, sete haviam recebido contracheques com quantias superiores ao teto constitucional de R$ 33,7 mil.

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OS ASTROS DO STF

Assim como os candidatos a cargos eletivos e os cantores, há ministros do Supremo Tribunal Federal que anexaram assessores de imprensa aos seus gabinetes.

A ideia de haver juízes da Suprema Corte americana com assessores de imprensa pessoais é tão absurda quanto a de que se instalasse uma sex shop no saguão do tribunal.

Pelas contas de um bom observador, não são todos os ministros, mas as togas assessoradas estariam perto de formar maioria no plenário. Num caso, deu-se uma conexão surpreendente. O marido da assessora do ministro
Edson Fachin é o procurador Eduardo Pelella, que trabalhava no bambuzal de Rodrigo Janot.

O PODER DA PM

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que existem ligações perigosas entre o crime e comandantes de batalhões da PM do Rio. Isso levou o governador Luiz Fernando Pezão a uma exasperação que jamais mostrou diante de outras denúncias de roubalheiras no seu Estado. Pezão foi vice e secretário de Obras de Sérgio Cabral. Ele foi acompanhado na ira pelo ministro Leonardo Picciani, filho do presidente da Assembleia do Rio, que classificou de "fanfarronice" a fala de Jardim.

Não é preciso dizer mais.

A reação de Pezão e Picciani teve uma utilidade: mostrou o poder de persuasão de coronéis da PM do Rio.

FORMA E CONTEÚDO

Torquato Jardim associou o crime a coronéis da PM do Rio e o deputado Rodrigo Maia observou que "ele falou muita verdade ali, só que não sei se foi da forma adequada".

Vai daí, a reação de Pezão e Picciani favorece o teatro de mentiras vigentes.

TESTE

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, teve a ideia de colocar o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército a serviço da caça às notícias falsas que são postas em circulação durante as campanhas eleitorais.

Ótima ideia. Para testar a máquina, poderia começar fazendo duas perguntas:

1) O que aconteceu com os cerca de 40 guerrilheiros que estavam no Araguaia em dezembro de 1973? Fugiram num disco voador albanês?

2) Como aquela bomba foi parar no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro?

MADAME NATASHA

Madame Natasha não perde sessão do Supremo Tribunal. Ela adora conferir que ministros usam togas acetinadas, brilhosas, enquanto as ministras usam panos foscos. E depois há quem diga que a vaidade é um atributo exclusivamente feminino.

Natasha decidiu premiar o ministro Luís Roberto Barroso porque, num seminário sobre "compliance" realizado no Superior Tribunal de Justiça, ele começou sua fala dizendo o seguinte:

"Cumprir a lei estava tão difícil que não existe palavra em português."

Barroso está certo. As palavras existem, mas, por falta de hábito, o STJ, as empreiteiras e muita gente boa havia se esquecido delas.

Quem quiser pode falar em conformidade ou mesmo observância, cumprimento.

MEIRELLES

Estranho personagem o doutor Henrique Meirelles.

Presidiu o conselho da holding dos irmãos Batista, mas nada tinha a ver com eles ou com as empresas. Disse que achava boa a ideia de ser vice-presidente e em seguida informou que estava brincando. Anunciou-se presidenciável e esclareceu que não disse o que disse.

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O SILÊNCIO E O SUICÍDIO DE CANCELLIER

Completou-se o primeiro mês desde que o professor Luis Carlos Cancellier matou-se. Ele tinha 60 anos, era reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, fora preso e, uma vez libertado, estava proibido
de pisar no campus da escola.

Já se sabe que Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco não devem ser investigados. Sabe-se também que o chefe da campanha de Donald Trump está em prisão domiciliar por lavagem de dinheiro e conversas impróprias com russos. Só não se sabe por que o reitor Cancellier foi humilhado.

O professor e outras seis pessoas foram presas no rastro de uma operação da Polícia Federal que se denominava "Ouvidos Moucos" e apurava fraudes com verbas de programas de bolsas de estudo. A juíza que determinou as prisões disse que fatos investigados mereciam "maior aprofundamento na análise". Havia professores e empresários acusados de meter a mão na Bolsa da Viúva, mas as irregularidades ocorreram antes da chegada
de Cancellier à reitoria.

Passou-se um mês e ainda não há informações a respeito dos fatos que a juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara da Justiça Federal, considerou merecedores de "maior aprofundamento e análise". À época das prisões, noticiou-se que a Operação Ouvidos Moucos teve a participação de cerca de cem agentes da Polícia Federal e o amparo da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Tudo isso para apurar irregularidades praticadas em cima de verbas que somavam R$ 80 milhões. Ainda não se sabe de acusação formal contra quem quer que seja, envolvendo um único centavo. Nada.

Sabe-se apenas que um cidadão preso e humilhado matou-se.


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