Folha de S. Paulo


Voto distrital é o quindim futurológico da reforma eleitoral

Pedro Ladeira/Folhapress
Vicente Cândido (d), relator da reforma política na Câmara, em reunião da comissão especial que analisa mudanças na legislação eleitoral
Vicente Cândido (dir.), relator da reforma política na Câmara, em reunião da comissão especial que analisa mudanças na legislação eleitoral

O voto distrital tornou-se o quindim futurológico da reforma eleitoral. A ideia é boa, divide-se cada Estado em distritos e os candidatos a deputado disputam os votos desse eleitorado. Na sua versão pura, é o sistema inglês e americano. Para acompanhar diversidades étnicas e sociais, nesses países há distritos com as formas mais absurdas, e alguns desenhos tornaram-se exemplos de corrupção eleitoral. Até hoje nenhum sábio do Congresso ou do Judiciário respondeu a uma pergunta elementar: quem desenhará os distritos brasileiros?

Para brincar de voto distrital, imagine-se a cidade do Rio de Janeiro. Com cerca de 5 milhões de eleitores, o município seria dividido em 20 distritos e cada um deles agruparia cerca de 250 mil eleitores. (Hoje o Estado do Rio tem 12 milhões de eleitores e elege 46 deputados federais, o município do Rio elegeria 20.)

Seguindo-se o mapa das zonas eleitorais da cidade, pode-se construir o distrito "A". Ele englobaria toda a Barra da Tijuca, o Alto da Boa Vista, São Conrado, a Rocinha e mais um pedaço da Gávea. A Rocinha, cuja zona eleitoral inclui cidadãos de outros bairros e, no conjunto, soma 74 mil votos, ficaria encapsulada num pedaço do Rio que sonha em ser Miami. Seria um desenho lógico, e o distrito teria 250 mil eleitores.

Com o mesmo mapa, pode-se desenhar um distrito "B".

Ele seria semelhante ao "A", mas em vez de pegar os 111 mil eleitores da 9ª Zona Eleitoral (uma parte da Barra da Tijuca), infletiria na direção da 179ª Zona Eleitoral, que lhe é contígua.

Desenharam-se dois distritos. No primeiro a Rocinha ficou na demografia eleitoral da Barra. No segundo, trocando-se a 9ª Zona pela 179ª, o distrito teria o pedaço afluente da Barra, mais São Conrado e um naco da Gávea. Tudo bem, mas com a 179ª zona eleitoral esse distrito incluiria os 116 mil votos de Cidade de Deus, Rio das Pedras, Gardênia Azul e Pechincha.

Os dois distritos representariam eleitores do Rio. Um, com o perfil do Rio Maravilha. O outro, com a realidade de Cidade de Deus. Mexendo-se no desenho, o deputado que sairia de um distrito nada teria a ver com o outro. Cidade de Deus pesaria no distrito "B", enquanto a Rocinha seria comida no "A".

Situações desse tipo repetem-se pelo Brasil afora, sem que nem sequer exista o caminho do distrito "A", geograficamente lógico.

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Serviço: Quem quiser passear pela distribuição de distritos nos Estados Unidos e ter um aperitivo do que será a discussão brasileira pode ir ao site "The Top Ten Most Gerrymandered Congressional Districts in the United States". Alguns aspectos da encrenca americana serão julgados pela Corte Suprema neste ano.


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