Folha de S. Paulo


Eleição livre daria um banho de detergente no cenário político nacional

Eduardo Knapp/Folhapress
Ao defender eleições já, FHC afastou-se da liturgia constitucional da escolha do novo presidente
Ao defender eleições já, FHC afastou-se da liturgia constitucional da escolha do novo presidente

FHC, TEMER E A ELEIÇÃO ANTECIPADA

A ideia foi a mesma: eleições já. Ela apareceu há cerca de três semanas, num momento reservado de desabafo do presidente Michel Temer. Voltou pela voz do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa nota com trechos criptícos que recomendam sua transcrição:

"A ordem vigente é legal e constitucional (...) mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto".

FHC afastou-se da liturgia constitucional da escolha do novo presidente pelo Congresso. Isso não é pouca coisa. Nas palavras dele, se a pinguela "continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular".

Essa manobra requer emendas constitucionais e mudanças profundas na ordem política. Temer poderia fazer um "gesto de grandeza" renunciando ao mandato, mas "eleições gerais" exigiriam a renúncia de todos os governadores e parlamentares. Os interessados em recuperar seus mandatos estariam obrigados a disputar uma eleição suicida.

Os prazos legais para tamanhas novidades tornam a ideia inviável, mas FHC colocou na mesa o ingrediente do tamanho da crise. A confusão que ele antevê ainda não chegou, mas será capaz de comer detalhes e prazos.

A abolição da escravatura foi discutida por mais de 50 anos, mas a tramitação do projeto que liquidou a fatura durou apenas 64 dias. A ideia de instituição do parlamentarismo rondou o Congresso por décadas, mas durante a crise de 1961, com o país à beira da guerra civil, a emenda constitucional que instituiu a nova forma de governo foi aprovada em 48 horas.

O "gesto de grandeza" de Temer resolveria muitos problemas. De saída, o dele, que poderia sair do palácio de cabeça erguida. Resolveria também o dilema do PSDB, que não consegue decidir se fica ou sai do governo.

Com uma eleição antecipada, o governo sairia do PSDB.

Uma eleição livre, sem regras de incompatibilização ou exigências de filiação partidária, daria um banho de detergente no cenário político nacional.

ÓBVIO

Se a proposta de eleições gerais de FHC for adiante, graças a um agravamento da crise que aplaine seus obstáculos, o candidato com maior aceitação nas pesquisas chama-se Lula.

Quem não gosta do risco de ter Lula no Planalto deve começar a pensar numa forma de militância para impedir que ele se materialize.

O RIO DOS ISENTOS

É possível que o Rio não tenha vivido um período de tão baixo astral desde 1711, quando a cidade foi saqueada e sequestrada pelo corsário francês Duguay Troin. Cabral está na cadeia, Pezão vive a ruína que ajudou a criar e abundam os bodes.

Para que se entenda melhor a raiz dos problemas da cidade, vale a pena transcrever um pedaço da entrevista que o prefeito Marcelo Crivella deu ao repórter Luiz Ernesto Magalhães:

"O Rio tem hoje cerca de 1,9 milhão de imóveis. Desses, 1,1 milhão não pagam IPTU. Em qual cidade do mundo isso acontece? Em média, as pessoas vão passar a contribuir com R$ 1 por dia. Mas há extremos a serem revistos. Há apartamentos na avenida Vieira Souto (Ipanema) que valem R$ 9 milhões e pagam R$ 6.000 de imposto".

NOTÍCIAS DO BUNKER

Talvez Michel Temer e os grão-duques do bunker que se montou no Planalto não saibam. Há gente de alta qualidade que prefere não passar por lá.

TUNGA

Não deu outra. O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator do projeto de reforma política, desistiu do voto de lista, que já foi derrubado duas vezes pelo plenário, e veio com uma tunga.

Segundo o comissário, como estão proibidas as doações de empresas, será necessário engordar um fundo partidário. Calcula-se que ele comerá até R$ 3 bilhões. Isso resulta num avanço de R$ 15 no bolso de cada brasileiro.

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