Folha de S. Paulo


Anistia a homossexuais na Inglaterra resgata a memória de Bertie Stopford

O governo inglês deu mais um passo para atenuar a nódoa da criminalização da homossexualidade e anulou 75 mil condenações. É provável que a medida alcance o escritor Oscar Wilde, que no século 19 ralou dois anos de prisão com trabalhos forçados.

A anistia inglesa, no ano do centenário da Revolução Russa, estimula o resgate da memória de Albert ("Bertie") Stopford, um grande gay de 1917. Ele tinha 57 anos, era um renomado antiquário e servia na embaixada em São Petersburgo. Era uma flor do andar de cima, amigo de grã-duquesas e de príncipes.

Frequentava a tia do czar Nicolau 2o e o príncipe-travesti em cuja casa foi assassinado o monge Rasputin. Veio a revolução de março, apareceram os bolcheviques e a vida da nobreza virou um inferno.

Sua amiga Miechen, a grã-duquesa Vladimir, deixou o palácio de 360 quartos e foi para o interior. Colocada em prisão domiciliar, chegou a passar vicissitudes. Bertie viajou quatro dias para levar-lhe dinheiro e a grã-duquesa contou-lhe onde escondera sua coleção de joias, uma das melhores do mundo. Ele disfarçou-se de operário, entrou no palácio, recuperou o tesouro e levou-o para Londres em duas valises.

(Por falta de um Bertie, as melhores joias da família Yusupov, a mais rica da Rússia, acabaram na mão dos bolcheviques. Só no ramo das tiaras tinham 13.)

A grã-duquesa conseguiu fugir da Rússia e morreu em 1920. Sua descendência viveu, e bem, vendendo as joias que Bertie recuperou. A mais famosa, a Tiara Vladimir, foi comprada pela rainha Mary da Inglaterra (avó de Elizabeth 2a). É uma peça deslumbrante. A Casa de Windsor soube comprar os diamantes da nobreza russa, mas medrou na hora de dar asilo ao czar com sua mulher e os filhos. Eles acabaram massacrados pelos comunistas.

Depois de todas suas aventuras russas, Bertie voltou para Londres, foi apanhado com um parceiro no Hyde Park e ralou dois anos de cadeia. Libertado, foi-se embora para o continente, onde frequentou o circuito gay-chique e morreu em 1939, sem um tostão.

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