Folha de S. Paulo


A Oi e os delírios da teleprivataria

Michel Temer fala em abrir um novo ciclo de privatizações de empresas e bens públicos. Tudo bem, mas os sábios de Brasília deveriam estudar a ruína da Oi. Ela é a maior operadora de telefonia fixa do país, quarta do mercado de celulares, com 70 milhões de clientes em 25 Estados. A Oi deve R$ 49,4 bilhões, com R$ 1 bilhão vencendo em julho, e não tem de onde tirá-los. Sua gerência está tonta, a empresa já teve dez presidentes e seu conselho está dividido.

Pelo andar da carruagem, ou a Oi vai para recuperação judicial ou seus credores tomarão um tombo, sendo levados a converter créditos em investimentos. Como era de se esperar, a Viúva ficará com um pedaço da conta e deverá renegociar os prazos de seus empréstimos. O Banco do Brasil e a Caixa têm cerca de R$ 6,5 bilhões no negócio. O espeto do velho e bom BNDES está em R$ 4,5 bilhões. (Além desse ervanário, a Oi deve R$ 5 bilhões ao governo, derivados sobretudo de multas.) Empresa necessariamente ligada a serviços de engenharia, a Oi gasta R$ 500 milhões anuais com advogados. À voracidade de seus operadores não correspondeu eficácia na gestão. Sua força esteve nos palácios, e sua ruína é uma aula.

A Oi é a primeira grande empresa do programa de privatizações do tucanato a ir para as cordas. Em 1998, amparado pelo fundo de pensão do Banco do Brasil, o consórcio Telemar, liderado pelo empresário Carlos Jereissati e pela empreiteira Andrade Gutierrez, arrematou o lote das teles do Rio e de outros 15 estados. Armação meio girafa, foi considerada "um tanto artificial" pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros foi mais duro e chamou a Telemar de "Telegangue". O tucanato suspeitava que a conta iria para o BNDES e decidiu marcar a empresa de perto. FHC chegou a definir essa vigilância: "linha extradura". Ilusão. (Nunca se deve esquecer que a Telerj, absorvida pela Telemar, havia sido presidida por uma flor do collorato. Chamava-se Eduardo Cunha.)

A Telemar perdeu alguns sócios pequenos, fez acrobacias, trocou de nome, virou Oi e floresceu durante o comissariado petista. Em 2008, com a ajuda do Banco do Brasil e do BNDES, comprou a Brasil Telecom, que operava em dez Estados. Assim nasceu o que a megalomania do período chamou de Supertele, com 62% do mercado de telefonia fixa do país. Seria a segunda maior empresa privada do país. O presidente da Oi dizia que era uma semiestatal, pois 49% do seu capital vinha do BNDES e de fundos de pensão da Viúva.

Terminadas as festas pela criação da Supertele, descobriu-se que a Oi comprara um passivo de R$ 2,5 bilhões. Diante do mau passo, o comissariado dobrou a aposta e alavancou a fantasia da transformação da Supertele (endividada em R$ 27,5 bilhões) numa multinacional. Em 2013, com a bênção de Lula, José Dirceu e outros santos menores, armou-se a fusão da Oi com a Portugal Telecom. Ela teria 100 milhões de clientes e R$ 37,5 bilhões de faturamento. Com as caravelas portuguesas vieram investimentos em aventuras petistas no mercado de comunicações. Nasceu até mesmo o falecido jornal "Brasil Econômico". Nessa altura Carlos Jereissati e a Andrade Gutierrez reduziram suas participações a níveis desprezíveis.

Desde o primeiro dia o problema da Telemar/Oi foi de falta de gestão e excesso de conexões. É da Oi a antena que serve ao sítio de Atibaia que dá conforto a Lula, e a empresa investiu R$ 5,2 milhões no negócio de videogames de seu filho. Bancos oficiais, banqueiros amigos e fundos de pensão prometiam milagres. O BTG Pactual chegou a armar um fundo de R$ 2 bilhões. Deu zebra, a Portugal Telecom encrencou-se em transações bancárias na Europa e em 2016 a dívida da Oi descontrolou-se. A empresa valia R$ 25 bilhões quando os portugueses entraram. Hoje vale R$ 500 milhões.

Se os acionistas não chegarem a um acordo, a Oi, ex-Supertele, ex-campeã nacional, virará uma Tchau. Como esse caminho seria um suicídio, a lição terminará com prejuízo para os donos, os credores e, com certeza, para os clientes. Os doutores acreditaram na força de suas conexões políticas.

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CONSTITUINTE

Na colaboração de Sérgio Machado há um momento em que, tratando de um narcótico para sedar a Lava Jato, o senador Romero Jucá diz: "Aí é na Constituinte".

Tradução: em março, quando ocorreu essa conversa, a turma que joga com as pretas armava a convocação de uma Constituinte para 2018.

Ulysses Guimarães chamou a carta de 1988 de "cidadã". Pelo jeito, sonhava-se com a Carta da Quadrilha.

GLADIADORES

No poder, o PT assustava a plateia. Dilma Rousseff impacientava-se com aplausos. Guido Mantega, Edinho Silva e Ricardo Berzoini pareciam estar com sono, e Aloizio Mercadante, à beira de um ataque de nervos.

Fora do poder, os adoradores de holofotes recolheram-se e veio uma boa surpresa. Durante os debates da comissão que trata do impeachment, brilham a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B) e o ex-ministro José Eduardo Cardozo, no papel de advogado de defesa do governo passado. Ela se revelou uma parlamentar de rara combatividade. Ele, um verdadeiro professor.

Quando o comissariado dirigia o espetáculo, Grazziotin ficava em segundo plano, por não ser petista, e Cardozo vivia debaixo de chumbo porque deixava a Polícia Federal trabalhar.

À MODA RUSSA

Um curioso achou na história da Rússia czarista um episódio que poderia ajudar os juízes que lidam com os poderosos réus da Lava Jato.

Aborrecida com o príncipe Golitsyn, a czarina Ana (1693-1740) mandou que ele vestisse uma fantasia de galinha e ficasse acocorado numa cesta, cercado de ovos. A um sinal, devia cacarejar.

Os Golitsyn eram e continuariam a ser uma das famílias mais poderosas do país.

O NÓ

Michel Temer ainda não conseguiu estabilizar sua relação com a Lava Jato.

MAIS PARTIDOS

O Brasil tem 35 partidos políticos, e a confusão está à vista de todos. Há mais 23 em fase final de reconhecimento pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Numa época em que os políticos são culpados por tudo, é bom lembrar que essa praga é de responsabilidade exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

Em 1995, o Congresso aprovou uma cláusula de barreira que deveria vigorar a partir de 2007. Ela cortava tempo de televisão e recursos públicos aos partidos que não conseguissem 5% do total de votos válidos para a Câmara distribuídos em um terço dos Estados, com pelo menos 2% dos votos em cada um deles. Se a barreira estivesse em vigor, o Brasil teria hoje sete ou oito partidos.
Em dezembro de 2006, dez ministros do Supremo Tribunal Federal derrubaram a cláusula de barreira, considerando-a inconstitucional. Fulanizando: Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluzo, Ayres Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. (Joaquim Barbosa estava de licença.)

A TPD DO PSDB

Enquanto sua caciquia espera pelas novas colaborações de grandes empreiteiras, a Tensão Pré-Delação chegou ao tucanato. Confirmando a tradição, enquanto os pajés do PMDB procuram ficar unidos ao levarem chumbo, no PSDB percebem-se pontas de alegria na desgraça alheia.

CLASSIFICADO

Atravessando águas revoltas nos Estados Unidos, a NII Holdings, controladora da empresa de telefonia móvel Nextel no Brasil e na Argentina, botou essas operações no pano verde. Haverá compradores.


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