Folha de S. Paulo


A blindagem de Eduardo Cunha

Fernando Henrique Cardoso disse o seguinte:

"Se a própria presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lava Jato."

Poderia ter dito a mesma coisa a respeito de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, denunciado pelo procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal. Não disse. Nem FHC, nem qualquer outro grão-tucano.

Até agora, Dilma é acusada no Tribunal de Contas da União de ter pedalado as contas públicas. O TCU não é um tribunal, mas um conselho assessor da Câmara. Ademais, a acusação ainda não foi formalizada. Eduardo Cunha foi acusado pelo Ministério Público de ter entrado numa propina de US$ 5 milhões. O PSDB quer tirar Dilma do Planalto e admite manter Eduardo Cunha na presidência da Câmara.

Surgiu em Brasília o fantasma de um "acordão". Nele juntaram-se Dilma e Renan Calheiros. Há outro: ele junta Eduardo Cunha, o PSDB, DEM e PPS. Um destina-se a segurar Dilma. O outro, a derrubá-la. À primeira vista, são conflitantes, mas têm uma área de interesse comum: nos dois acordões há gente incomodada com a Lava Jato. A proteção a Dilma embute a contenção da Lava Jato, evitando que chegue ao Planalto ou a Lula. A proteção a Eduardo Cunha pretende conter a responsabilização dos políticos de todos os partidos metidos em roubalheiras.

É sempre bom lembrar que Fernando Collor, também denunciado por Janot, renunciou ao mandato em 1992, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Renan Calheiros foi líder do governo Collor e Eduardo Cunha dele recebeu a presidência da Telerj.

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E-MAIL PARA JANOT

De Marcio Thomaz Bastos para Rodrigo Janot:

"Daqui onde estou não posso dar mais detalhes, mas há um jovem procurador do Banco Central que poderia lhe contar as pressões que sofreu em 2012 para dar um parecer favorável à ideia de se usar o Fundo de Compensação da Variação Salarial para aliviar bancos que estavam sob intervenção. Poderia contar endereços, personagens e diálogos.

O assunto foi levado a Dilma e ela foi clara: 'Diga ao rapaz para não fazer o que lhe pedem. Se fizer, será o primeiro a ir para a cadeia'."

BOA PISTA

O doutor Rodrigo Janot terá trabalho na quarta-feira (26) para explicar por que, dispondo de um quadro de servidores pagos pela Viúva, contratou uma agência de publicidade para cuidar da Procuradoria-Geral da República. A PGR não é a Coca-Cola.

Se ele sair da sabatina convencido de que esse tipo de promiscuidade contraria a boa norma da administração, todo mundo ganhará. De longe, ele não é o único.

RODAS DA CRISE

Neste ano a Pirelli, maior fabricante de pneus de caminhões do país, teve uma queda de 40% nas suas vendas.

No segmento de carros de passeio as vendas também caíram, numa percentagem menor.

ODEBRECHT

A sabedoria convencional chegou a suspeitar de que a Lava Jato não fosse chegar à Odebrecht. Seu presidente está na carceragem de Curitiba desde junho. A mesma sabedoria da rotina duvida que a empreiteira faça um acordo de colaboração com a Justiça. A ver.

A Camargo Corrêa fechou seu acordo na semana passada, mas esse caminho já era discutido na empresa em março.

ÇÁBIOS E ESPERTOS

Ainda não se identificou a mão do gato que botou no carrinho da xepa de feira de Renan, Dilma e Levy a ideia de se cobrar pelo atendimento do SUS de acordo com a faixa de renda da vítima.

Apesar disso, apareceu o primeiro suspeito: seriam os çábios do Banco Mundial, que circulam com essa ideia há muitos anos. Gente esperta: nunca puseram a cara na vitrine para defender a sugestão, nem mesmo para discutir sua praticabilidade.

Tudo o que o mundo precisa é de um plano de saúde igual ao dos burocratas do Banco Mundial. Ele paga 75% das despesas médicas dos seus funcionários e dependentes.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e está convencido de que há alguém no governo querendo derrubar a doutora Dilma. Ele prova:

Enquanto o governo segurou a antecipação do 13º salário dos aposentados, em julho, a doutora recebeu sua gratificação natalina de R$ 15.467. Em dezembro receberá a segunda metade. Ela e todos os ministros, inclusive os que estão cortando despesas.

Eremildo é um cretino, mas sabe que nada foi feito de ilegal. Num outro caso, nada foi feito de legal. A equipe que cuidou da passagem da doutora pela Califórnia contratou 25 motoristas, alugou 19 limusines, três vans, dois ônibus e um caminhão. Uma conta de US$ 100 mil que só foi quitada quando a vítima botou a boca no mundo.

Há alguns anos, um curioso andava pela universidade Harvard e viu uma limusine estacionada em frente ao clube do professores e perguntou a um amigo: "Alguma vez você viu uma limo ali?". Nunca.

Estava a serviço de um ministro brasileiro.

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DEU-SE A GRANDE PEDALADA ELÉTRICA

O que parecia ser uma simples pedalada elétrica transformou-se numa competição de velódromo. O governo mandou ao Congresso a Medida Provisória 688, que tenta cobrir o rombo de pelo menos R$ 10 bilhões impostos às geradoras de energia, jogando-os nas contas de luz dos consumidores.

Em 2013, na sua fase triunfalista, a doutora Dilma baixou as tarifas de energia. Ela sabia que o sistema estava no osso e algumas hidrelétricas já precisavam comprar energia térmica, mais cara. Veio 2014, faltaram chuvas, a situação agravou-se e as geradoras ficaram com um rombo. Conseguiram 22 liminares e já deixaram de pagar R$ 1,4 bilhão.

A MP 688 pretende contornar essa crise com uma pedalada. Para que as empresas desistam de seus litígios oferece-lhes a velha e boa moeda da prorrogação de suas concessões por mais 15 anos. Junto a esse mimo, mudam-se as regras do jogo para as relações do governo com as concessionárias. Admitindo-se que se fez o melhor possível, há um gato na tuba. É o paragrafo 8º do artigo 5º. Ele diz que tudo o que for combinado poderá ser rediscutido. Donde, tudo pode acontecer. Conhecendo-se os poucos raspões da Operação Lava Jato no setor elétrico, esse dispositivo é no mínimo perigoso.

A MP 688 inclui um golpe típico da retórica do comissariado petista. Em 2004, jogando para a plateia, a doutora Dilma tirou dos novos contratos de concessões uma cláusula que obrigava as empresas a pagar pelo "uso do bem público". Para fazer caixa, ela voltou, com o nome de "bonificação pela outorga".

Reduzindo a questão à sua expressão mais simples: o governo baixou tarifas, fingiu que havia energia hidrelétrica disponível, obrigou as concessionárias a operar com as térmicas e produziu um rombo bilionário. Quem pagará? O distinto público.


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