Folha de S. Paulo


Um teste para seu DNA golpista

Golpe, a praga que envenenou a República, voltou ao cotidiano. Há genes golpistas nas almas mais puras. Milton Campos (1900-1972), um liberal exemplar, serviu como ministro da Justiça à ditadura envergonhada do marechal Castello Branco. O golpismo afeta cabeças à direita ou à esquerda. Como ninguém gosta de ser chamado de golpista, derrubado o governo que se detesta, inventa-se outra palavra e saúda-se a nova ordem.

Sempre é bom lembrar que o governo mais estável da história nacional, o de D. Pedro 2º, durou 49 anos e nasceu com o golpe parlamentar que proclamou sua maioridade aos 14 anos.

Aqui vai um teste com dez episódios para que cada um possa examinar seu DNA. Indo em direção ao passado, marque a situação em que ocorreu um golpe. Ele pode ter sido parlamentar, vindo do Congresso, militar, trazido pelos tanques, ou misto.

1969: O presidente da República, marechal Costa e Silva, teve uma isquemia cerebral e estava incapacitado. Os três ministros militares chamaram o vice Pedro Aleixo, disseram que não assumiria e formaram uma Junta Militar. Seriam chamados de "os três patetas". Foi golpe?

1968: O marechal Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5, fechou o Congresso e suspendeu liberdades públicas. Golpe?

1964: Depois de uma revolta militar, o presidente do Congresso declarou vaga a presidência da República e extinguiu o mandato de João Goulart. Os vitoriosos chamaram o movimento de "Revolução". Durante a ditadura, falar em golpe podia trazer problemas. Hoje, falar em "Revolução" é politicamente incorreto.

1961: Depois da renúncia de Jânio Quadros, os ministros militares recusaram-se a empossar o vice-presidente João Goulart. Com o país à beira de uma guerra civil, em poucos dias o Congresso votou uma emenda parlamentarista, mutilando os poderes de Jango, que só então assumiu. Até agora o teste havia sido fácil. Foi golpe?

1955: O presidente Café Filho teve um infarto e assumiu o deputado Carlos Luz. Ele demitiu o ministro da Guerra, Henrique Lott, e em poucas horas foi deposto pela tropa. O Congresso votou o impedimento de Luz e empossou o presidente do Senado, Nereu Ramos. Café tentou reassumir, a tropa voltou a se mover e o Congresso votou seu impeachment. Foi golpe?

1945: A tropa depôs o ditador Getúlio Vargas, que convocara eleições para eleger seu sucessor. Elas deveriam ser realizadas no dia 2 de dezembro, mas Getúlio foi deposto em outubro e tomou posse o presidente do Supremo Tribunal Federal. O general Eurico Dutra foi eleito e em 1946 instalou-se uma Assembleia Constituinte. Foi golpe?

1937: Com o apoio da tropa, Getúlio Vargas fechou o Congresso, suspendeu a eleição presidencial que marcara e criou o Estado Novo. Fácil.

1930: Candidato derrotado na eleição presidencial, Getúlio Vargas liderou uma revolta e a guarnição do Rio de Janeiro depôs o presidente Washington Luiz. Foi golpe ou foi a "Revolução de 1930"?

1891: O marechal Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo e assumiu o vice, Floriano Peixoto. A Constituição mandava que fossem realizadas novas eleições. Floriano botou pra quebrar e governou até 1894. Chamaram-no "Marechal de Ferro". Deu golpe?

1889: No 49º ano de seu reinado, D. Pedro 2º foi deposto pela guarnição do Rio de Janeiro e banido do país com toda sua família. Proclamou-se a República. Golpe?

Quem marcou que houve golpe em todos os dez casos tem algo de Joaquim Nabuco ou Sobral Pinto no seu DNA. Fernando Henrique Cardoso marcou nove casos, excluindo o episódio da emenda parlamentarista de 1961. Quem não viu golpe em 1889, 1930 e 1945 tem uma inclinação para apoiar "golpes para o bem". Quem aceitou as intervenções de 1937, 1964, 1968 e 1969 é um golpista de plantão.

Em todos os dez episódios listados houve um ingrediente que felizmente saiu do baralho em 1985, com a eleição de Tancredo Neves: a anarquia militar. Salvo no golpe de 1969, nunca houve intervenção militar sem que houvesse civis pedindo-a. Em quase todos os casos haviam perdido eleições ou temiam perdê-las.

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VOLTA AO PASSADO

De um psicanalista de botequim: "A frequência com que Dilma Rousseff tem se referido aos seus dias de cadeia e tortura nos anos 70 pode indicar a força de sua personalidade, mas também pode ser uma regressão a um tempo em que ela se sentia só e vulnerável."

VOZES d'ÁFRICA

Representantes do Ministério Público têm viajado para países africanos onde as empreiteiras metidas na Lava Jato conseguiram negócios bilionários.

BLINDAGEM

Um dos mais talentosos criminalistas de São Paulo, advogado de empreiteiras, reconheceu há algumas semanas que até agora o trabalho do juiz Sergio Moro não deixou brechas para a anulação de suas sentenças nas instâncias superiores.

DOCUMENTOS DOS EUA

Pérola colhida num dos documentos do tempo da ditadura liberados pelo governo americano: No final de 1968 e no início de 1969, os superiores do capitão Carlos Lamarca receberam três avisos de que ele e um sargento estavam aliciando soldados.

Um par de denúncias veio de um cabo e de sua mulher. A outra, de um soldado. Resolveu-se manter o assunto fora do conhecimento do comando do Exército. Lamarca saqueou o arsenal do quartel e desertou no final de janeiro.

Ficou tudo no nível das conversas. Se não fosse um telegrama da Defense Intelligence Agency, o frango ficaria esquecido.

A CRISE

Um movimentado restaurante da avenida Atlântica tinha 35 funcionários em dezembro do ano passado. Hoje está com 19 e seu faturamento caiu à metade.

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O GRUPO DE CUNHA

Um deputado jura ter ouvido do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que por ter votado contra ele num projeto, estaria excluído do "nosso grupo".

Resta saber o que vem a ser "nosso grupo".

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JUSTIÇA EFICAZ

O Judiciário funciona e é rápido nos Estados Unidos. Por iniciativa do Departamento de Justiça americano, um tribunal federal bloqueou a propriedade da "Esmeralda da Bahia" até que o Judiciário brasileiro confirme que ela foi extraída, exportada e transportada ilegalmente para os Estados Unidos.

Trata-se da maior pedra com formação de esmeraldas já encontrada no mundo. Um dos seus nove cilindros tem cerca de um metro de altura. Vale milhões de dólares como peça de museu.

Sua história é a narrativa de um Estado que funciona e de outro, gigante pela própria natureza, que dorme eternamente em berço esplêndido. A pedra foi extraída em 2001 num garimpo ilegal da Bahia. Em 2005, foi exportada para os Estados Unidos como se fosse material asfáltico. Em 2011, o gigante adormecido foi avisado pelo governo americano de que essa pedra aparecera por lá numa briga de comerciantes que se diziam seus donos.

Três anos depois, o governo brasileiro resolveu disputar a propriedade da pedra e contratou o advogado americano John Nadolenco. A fatura foi liquidada em questão de meses. Enquanto a Justiça da Califórnia decidia qual dono americano poderia ficar com a pedra, ele pediu a um tribunal de Washington que mantivesse a posse da esmeralda sob custódia da polícia de Los Angeles até que ela pudesse ser devolvida ao Brasil. Ganhou.

A "Esmeralda da Bahia" só voltará ao Brasil quando terminar o processo que a Viúva move contra os brasileiros que a extraíram e mutretaram sua exportação fraudulenta. Ele só foi iniciado em 2014 e tramita na Justiça Federal de Campinas.


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