Folha de S. Paulo


A doutora Ellen não teve sorte na OGX

A ex-ministra Ellen Gracie teve uma passagem exemplar pela magistratura e pela presidência do Supremo Tribunal Federal. Cometeu uma demasia quando aceitou participar da comissão especial que fiscalizará a moralidade interna da Petrobras. Ela não teve sorte no mundo do petróleo nem trouxe sorte aos outros. Em abril de 2012 aceitou um lugar no conselho de administração da OGX de Eike Batista. A essa época, o corpo técnico da Petrobras sustentava que o empresário montara uma fantasia. A doutora, o mercado e muita gente boa acharam o contrário e, quando as ações da OGX foram lançadas, chegaram a valer R$ 23,27. Em junho de 2013, Ellen Gracie demitiu-se do conselho, mas a casa já estava caindo, e os papéis valiam apenas R$ 1,21. Cinco meses depois, Eike Batista produziu a maior concordata da história do país, e a OGX virou pó, com sua ações valendo R$ 0,13. Durante o ano de 2013, os 12 conselheiros custaram à OGX R$ 3,34 milhões.

Passou o tempo, e o colapso de Eike é cada vez mais atribuído à sua personalidade megalomaníaca e espetaculosa, mas quando a doutora Ellen foi para seu conselho sabia que ele tinha um automóvel na sala de estar. Ela e os demais conselheiros respondem a um processo na Justiça.

Ellen Gracie pode ser a pessoa certa para qualquer lugar, mas não deveria arriscar uma segunda rodada no mundo do petróleo. Não só se deu mal como deixou mal os acionistas da empresa, que viram na sua presença no conselho da OGX uma marca de qualidade do negócio. Em outubro de 2012, quando as ações da empresa começaram a cair, Ellen Gracie disse o seguinte: "Acredito no grupo, acho que é um grupo muito bom, um grupo muito sólido, como eu digo, com conteúdo muito sólido, de modo que essas flutuações são muito naturais".

Pareciam palavras do comandante daquele navio cuja história virou filme, com Leonardo DiCaprio.

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ADVOCACIA 2.0

Pelo andar da carruagem, a história da grande advocacia criminal brasileira terá duas fases: uma antes e outra depois de o juiz Sergio Moro ter colocado a colaboração dos delinquentes a serviço da Viúva.

A transição será dura, sobretudo para quem se habituou à ourivesaria do desmanche dos processos no Judiciário. Aquilo que também se conhece como "costurar por dentro".

Ainda há mágicos argumentando contra a colaboração dos presos. Gente que nunca reclamou das delações (sem direito a nada) de bandidos pé de chinelo.

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CONSULTA GRÁTIS

Conhecendo-se os padecimentos das famílias dos executivos envolvidos em petrorroubalheiras que comeram panetones na carceragem de Curitiba, vai aqui um lembrete. Em quase todos os casos, a turma dos colchonetes é composta por diretores regiamente remunerados, mas os donos dos negócios são os acionistas controladores. Pela lei, a cana vai para os diretores, e não necessariamente para os donos.

Nada há a fazer, mas quem estiver numa empresa onde se pode sentir o cheiro de queimado deve saber que lhe poderá acontecer a mesma coisa. Se um cidadão desconfiar de que está em situação parecida, deve contar à família o coração de seus negócios e os riscos que todos correm. Provavelmente receberá bons conselhos. Se não os receber, pelo menos terá o consolo de saber que seus familiares estavam no lance. De qualquer maneira, evitará que as famílias dos donos e as dos executivos se estranhem, pois é duro para a mulher de um diretor ir visitar o marido na cadeia sabendo que o patrão passará o Réveillon em Miami.

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MADAME NATASHA

Madame Natasha acredita que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, será lembrado pela sua contribuição ao enriquecimento do idioma.

Ele se apresentou com 123 metas. No primeiro ano de governo cumpriu menos de 10%. Agora informa que "deslizará para a frente" algumas de suas promessas. Quis dizer que não fará o que prometeu nos prazos que fixou. Madame achou bonita a figura do "deslizamento" de promessas.

Durante o tucanato, quando se queria mudar uma lei, sobretudo daquelas que garantiam direitos dos trabalhadores, falava-se em "flexibilizá-las". Quando uma coisa dava errado, Roberto Campos, um mestre do idioma, dizia que ocorrera uma "reversão das expectativas".

Natasha respeita a arte da empulhação.

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FOFOCA IMPERIAL

Está na rede uma boa biografia de Napoleão ("Napoleon, a Life"), do historiador inglês Anthony Roberts. Ele visitou 69 arquivos e 53 dos 60 campos de batalha de Bonaparte.

Como era de se esperar, Roberts passou pela vida da linda Pauline Fourés, que se tornou a Cleópatra do general, pois namorou-o quando tinha 21 anos e vivia no Cairo. (Napoleão começou o romance, por diversos motivos, inclusive para compensar sua fama de corno, pois sua mulher ficara em Paris, livre, igualitária e fraterna.)

Pauline viveu no Brasil entre 1816 e 1837. Tinha 38 anos quando chegou e 51 quando voltou à França, riquíssima. Fez fortuna importando móveis e exportando madeiras. Muito provavelmente morou no Rio.

A senhora fumava, pintava, tocava harpa, ia à missa com o cachorro e morreu em Paris num apartamento cheio de macacos.

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MAIS UM PRODUTO AMERICANO DE EXPORTAÇÃO

Continua nas gavetas da Casa Civil a regulamentação da lei anticorrupção para empresas brasileiras. Se o governo estiver trabalhando a sério, virá por aí uma nova palavra inglesa: "whistleblower". Numa tradução capenga, seria "o tocador de apito". O cidadão trabalha numa empresa, vê uma roubalheira contra a Viúva ou o mercado, avisa ao poder competente e, comprovada a denúncia, ganha uma recompensa. É coisa difícil de ser codificada e, mesmo nos Estados Unidos, vai devagar, mas vai. Existem repartições para lidar com esse personagem em várias agencias americanas. Se o denunciante descobre um crime pelo qual a empresa poderá ser multada em mais de US$ 1 milhão, ele pode se habilitar a receber entre 10% e 30% do ervanário. Um vendedor do laboratório Pfizer denunciou técnicas ilegais de comercialização de produtos, reclamou por dentro e perdeu o emprego de US$ 125 mil anuais. Veterano da Guerra do Golfo, foi ao governo. A Pfizer foi investigada, tinha culpa e tomou uma multa de US$ 2,3 bilhões. O veterano que tocou o apito recebeu US$ 51,5 milhões.

As condições para chegar à recompensa são severas e nada têm a ver com o que em Pindorama se chama de "delação premiada". Por enquanto, isso parece uma excentricidade, mas, quando o primeiro funcionário (ou funcionária) de empresa com sede no Brasil e ações no mercado americano receber sua recompensa, vai-se descobrir que a coisa é séria.

Faz tempo um advogado disse que os três maiores produtos americanos de exportação eram jeans, rock e leis. A piada começa a virar verdade.


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