Folha de S. Paulo


Quem paga a conta

O TORVELINHO da crise bursátil coloca um holofote sobre governos e órgãos de coordenação econômica entre países. Depois da lambança dos mercados, a bola do jogo está com o Estado e suas medidas salvadoras. É nesse momento de socorro que se definem as estratégias a seguir e, por conseqüência, quem vai ganhar e quem vai perder.

O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, coloca novamente em cena as idéias de Keynes e propugna que os Estados gastem mais para enfrentar a desaceleração.

Justamente o contrário do discurso pela rigidez fiscal sempre tão caro ao organismo. Afinal, foi esse o receituário mais eficiente para a superação das outras crises capitalistas. No século passado, Estados Unidos e Europa experimentaram períodos de forte investimento estatal para religar as engrenagens do crescimento. Foi assim nos períodos pós-recessão e pós-Guerra. Épocas que deixaram para trás perdas homéricas para multidões e trataram de construir novos milionários e classes emergentes das cinzas.

Num lance mais ousado, o mesmo Strauss-Kahn chega a sugerir que os Estados Unidos passem a ser monitorados pelo FMI, a exemplo do que acontece nos países periféricos. Epicentro do atual terremoto financeiro, os EUA teriam dificuldades em obter boas notas na aritmética do fundo. Mas não é isso que importa. País mais rico e forte militarmente, não precisa passar nesse vestibular.

No corredor de saída, a administração Bush anunciou a trilha que seguirá. Numa ação de emergência, fez um corte drástico nos juros.

Tenta irrigar o mercado financeiro com crédito barato para não deixar a dita crise de liquidez se transformar em crise de solvência. Propõe uma Bolsa-Bush que beneficia empresas e cidadãos mais ricos. Os pobres e os migrantes -já se contou a saga dos brasileiros endividados por lá- ficarão com o mico.

Por aqui e por enquanto, o governo só diz observar a situação. Repete que o país tem agora melhores condições para enfrentar a tempestade que vem do Norte. Até pode ser verdade. Mas mesmo o discurso oficial admite que o Brasil não está blindado. Nem tem como estar, num mundo tão interligado.

Já que não tem como influir nessas variáveis externas, o governo deve fazer o seu papel por aqui. Crises internacionais podem até ter efeitos positivos. No passado, num outro arranjo mundial, serviram para impulsionar projetos nacionais, produção e mercado interno.

Logo o governo terá que definir como enfrentará a tormenta. Regras cambiais, taxa de juros, investimentos, tributos -todos são instrumentos de política interna que definirão quem ganhará e quem perderá nesse capítulo da história.

ELEONORA DE LUCENA é editora-executiva da Folha.


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