Folha de S. Paulo


Quem ganha e quem perde

Daqui a pouco, começa a safra de balanços do primeiro ano de governo Lula. O quadro geral é frustrante. Apesar da enorme preocupação com o marketing, a administração petista não desenha uma marca de mudança. Ao contrário, continua gerindo a crise como os tucanos, incorporando com deslumbramento o modelo em vigor no país há mais de dez anos.
Num corte simplificado, o jogo de ganha-perde na sociedade segue na mesma toada do governo anterior, só que aprofundando diferenças. De um lado, os bancos permanecem aumentando seus ganhos, amplificados pelas elevadíssimas taxas de juros. De outro, desemprego recorde e empresas sufocadas pelas dívidas.
O encolhimento do mercado interno é política governamental deliberada. A ordem expressa é promover um arrocho monumental para pagar juros e vender para o exterior. As empresas exportadoras viraram oásis na economia combalida.
As grandes discussões que o governo levanta reproduzem a agenda conservadora e envergonhada dos anos anteriores. Na palavra oficial, o futuro do país depende das chamadas reformas. São fixadas as da Previdência e a fiscal. De substancial, nada se mexe no status quo. No Congresso, as negociações em torno desses temas repetem antigos rituais.
Sem dinheiro, os ministérios ficam manietados. Poucos planos saem do papel, e um número menor ainda tem algum alcance mais abrangente. A dita área social planeja malabarismos contábeis para conseguir alguma verba. O famigerado conselho de desenvolvimento não tem o que fazer e parece estar morrendo de inanição.
Na área do financiamento público, o BNDES está pressionado pela montanha de empresas endividadas em busca de socorro. Além disso, está enredado nas heranças das privatizações. Basta ver o caso das empresas elétricas e, na semana passada, o da Vale do Rio Doce. É claro que sempre sobra ajuda para as superpoderosas montadoras -um clássico desde os anos 50.
Enquadrados pelo PT, os movimentos sociais organizados estão contidos. A radicalização ensaiada pelos sem-terra e pelos sem-teto, há alguns meses, recuou. Alguns sindicatos mais fortes conseguem ganhos, mas a maioria está aterrorizada com o desemprego. Contestações dos funcionários públicos foram isoladas e abafadas. Não há polarização à vista.
No terreno externo, o governo se jacta de estar tomando posições com autonomia e tenta organizar sua hegemonia na América do Sul. Resta saber se o discurso se traduzirá em fatos. A negociação em torno da Alca será um bom indicador da real consistência dessa política.
No conjunto, o balanço é de um ano medíocre. Até entre tradicionais aliados petistas nos campos da ecologia, da educação e da saúde o clima é de desânimo. Já os novos aliados em setores empresariais reclamam, com mais vigor, do sufoco da economia.
Os últimos dados registram uma recuperação. Provavelmente o ano que vem será melhor do que este, ainda que ninguém preveja um crescimento galopante. Será tempo de eleição, e o governo quer ter um bom desempenho nas disputas municipais. Difícil é imaginar que haverá alguma mudança no ganha-perde da sociedade.


Endereço da página: