Folha de S. Paulo


Direita aturdida

Os conservadores não se entendem. Depois de constituírem a mais ampla aliança da história -que viabilizou as vitórias acachapantes de Fernando Henrique Cardoso em 94 e 98-, agora eles caminham para as eleições presidenciais sem a perspectiva da vitória certa.
O enrosco começou no início do ano passado. Quem deu o primeiro urro foi o então senador Antonio Carlos Magalhães. A batalha em torno da presidência do Congresso e sua ira contra a coalizão Jader Barbalho/José Serra foram uma prévia da crise atual.
Ontem como hoje, a disputa de fundo era a arquitetura da frente governista para a eleição do próximo presidente. ACM e Jader caíram, mas a ferida aberta só aumentou desde então. Percebendo que seu espaço se estreitara e sem chances de apadrinhar o candidato oficial, o senhor da Bahia partiu para o ataque.
Jogou lama na privatização das teles, a jóia da coroa fernandista. Falou de propinas e turvou a imagem de sucesso da desestatização. A operação-abafa oficial tirou o tema da pauta.
Agora a palavra propina voltou ao noticiário ligada a outra privatização e envolveu o candidato do Planalto. Antes, a tentativa de fabricar uma candidatura de direita de saias foi exterminada pela artilharia oficial.
Engalfinhados assim, os líderes conservadores parecem assistir, aparvalhados, ao crescimento da oposição. Sem a perspectiva mágica de um novo Plano Real -decisivo para a vitória em 94-, eles temem perder agora.
São sabidas as razões para o avanço oposicionista: desemprego elevado, insegurança crescente, desalento com o futuro. É sintomático que 70% dos eleitores ouvidos pelo Datafolha desejem que as ações do próximo presidente sejam diferentes das de FHC.
O cenário róseo do início do Real, com alguma distribuição de renda, evaporou-se. A conta do modelo adotado apareceu: dívidas externa e interna em níveis alarmantes e economia em estado letárgico. Um dado: 52% dos brasileiros ganham até dois salários mínimos.
No horizonte, as expectativas de recuperação da economia estão sombrias. Para completar, em pleno ano eleitoral, o governo se vê obrigado a cortar mais o Orçamento, atingindo até o fundo contra a pobreza. O curioso é que a medida é consequência da cizânia dentro do bloco governista: o bloqueio da CPMF feito pelo PFL.
Do exterior, as notícias não são animadoras. A economia mundial está morna, há dúvidas sobre a abrangência da recuperação dos EUA, o conflito no Oriente Médio é infindável.
A geopolítica de Bush afasta qualquer sonho de socorro maior. A farra de dólares de 94 é hipótese inexistente. A solidariedade que FHC recebeu em 98 está difícil de se repetir.
Que cimento pode unir a coalizão conservadora agora? Grandes nacos do Estado já foram vendidos e geraram bons resultados privados, com o vital financiamento estatal. Há guerra aberta no rearranjo desses negócios.
Resta saber se a direita vai ficar na arquibancada assistindo ao avanço da esquerda. A história do Brasil indica que isso é improvável. Os conservadores são pragmáticos e costumam mostrar competência eleitoral. Em algum momento devem tratar de recompor suas hostes.
Dado importante. Apesar de toda a crise, segue estável a avaliação do presidente. Aí pode estar a liga da reaglutinação dentro da direita.


Endereço da página: